terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O Coelho na Cartola

Para M.

O ano que acaba hoje não foi muito grato com você. Também não foi comigo. Perdemos coisas, enfrentamos dificuldades, decepcionamos e fomos decepcionados. Tudo isso nos dá a ligeira sensação de que o ano não valeu nada, de que foi só um tapa-buraco em nossas existências, cheio de frustrações e tristeza.

Minha irmã postou algo esses dias no Facebook de que gostei muito. Dizia "A vida, apesar de bruta, é meio mágica. Dá sempre pra tirar um coelho da cartola". Desconheço a autoria da frase, mas foi, provavelmente, uma das coisas mais interessantes e verdadeiras que li em 2013. Dá sempre pra tirar um coelho da cartola da vida, em qualquer situação. Dá pra tirar aprendizado nos erros. Dá pra tirar força nas perdas. Dá pra tirar sentido no caos.

Quando estamos perdidos na escuridão, não nos damos conta de que o escuro é tão sensível que qualquer fonte de luz o rompe, o transforma. E é disso que eu gostaria de falar: da luz que a gente tira da cartola pra quebrar o escuro. Somos seres formados de moléculas que, por sua vez, são formadas por partículas minúsculas. E essas partículas são formadas de quê? De outras partículas, imensamente menores, ainda. E elas, são formadas de quê? De algo ainda menor. Somos profundos. Somos infinitos. Somos grandes, enormes e, ao mesmo tempo, somos minúsculos - somos partículas do infinito. Tão imensos quanto o nada. Logo, qualquer coisa pode nos preencher, qualquer lufada de ar, de vida, de felicidade, qualquer ponto de luz é capaz de acabar com nossa escuridão.

Desejo que teu ano novo seja assim, cheio de coelhos na cartola. Que você consiga encontrar formas de fazer a magia acontecer, para que eles saiam de lá. Que você encontre forças dentro de você, e jamais fora, porque é a única coisa realmente verdadeira que você tem: o que está dentro do seu infinito individual. Que as feridas se cicatrizem e deixem ali marcas de guerra que te façam lembrar: apesar de tudo, eu venci - eu aprendi com as perdas, eu enfrentei o medo, a tempestade, a fúria, o sofrimento, eu caí e me levantei, eu fui forte o bastante, eu venci. Que você amadureça nos pontos certos, mas que nunca perca essa criança doce, sorridente e sonhadora que vive dentro de você.

Lembre-se do que te disse um dia: o Universo é gigantesco, infinito (assim como nós, mas infinitamente maior do que nós). Nossos problemas, nossas dores, nossos medos são tão pequenos e breves quanto um pensamento - não são nada mais do que um suspiro no vácuo. Um dia, tudo isso passa. Um dia, a tempestade acaba. Um dia, a gente acorda e tá um sol maravilhoso lá fora. Um dia, não dói mais. A gente se olha no espelho, percebe que tem alguém ali tão diferente e, ao mesmo tempo, se reconhece, ainda que haja uma sutil divergência no reflexo: eu cresci.

Faça a mágica acontecer, tire coelhos de cartolas, tire proveito do imprevisto, tire força do seu infinito. Busque o que te faz bem, e encare isso que algumas pessoas chamam de destino e outras de acaso de frente. Não olhe para trás. Seja feliz. Seja grande. Seja infinito.

Feliz ano novo. Feliz você novo.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Erosão


É claro que o tempo passou. Fui tolo por pensar que não passaria. É o que o tempo faz, não é? Passa. Passa enquanto você dorme e enquanto você acorda encharcado de nostalgia; passa enquanto você se olha no espelho procurando os efeitos disso; passa enquanto você sente o medo, e a dor, e a paz. É claro que o tempo passaria.
Soube por fontes muito confiáveis que o tempo não passou só para mim. Passou, também, para todas aquelas pessoas que faziam parte da minha vida nesse mesmo dia, em um ano diferente. As paredes do shopping estão cheias de luzes e guirlandas, há um papai Noel gigantesco na porta, músicas natalinas tocando incansavelmente nos alto-falantes. Tudo isso dá a leve sensação de que tudo está igual como era antes, mas não está. É só uma ilusão. O tempo passou porque o papai Noel gigante está mais empoeirado e torto do que estava ano passado; porque as músicas natalinas que eu não conhecia, hoje sei de cor; porque algumas luzes estão queimadas e nada as fará acender de novo, em nenhum momento do tempo.

Deixei um chão lotado de bagunça por onde passei. Lá estão elas, jogadas até hoje: as falhas, as desistências, as frustrações. E eles: os abandonos, os medos, os gritos e os risos. Nada se moveu do lugar e, ao mesmo tempo, estão em constante órbita dentro e em volta disso que é meu ser. Por mais que eu tenha tentado me livrar disso tudo que me corrompe, que me corrói, não consigo: são vícios. De certa forma, somos viciados na dor, temos um prazer sádico em senti-la, somos dependentes físicos, químicos e psicológicos de tudo que desestabiliza nossa insustentável leveza.

Afinal, é o que nos forma, o que nos molda. É nos momentos de desespero que descobrimos nossa real força, até onde podemos ir, o quanto podemos lutar. São nossas falhas que nos ensinam, que clareiam nossos olhos, que fortalecem nossos músculos, que engrossam nossa pele. Não é a paz que erode uma rocha, mas a tempestade, as ondas vorazes, o vendaval furioso.

Quando olho para trás e vejo tudo isso, todo o caos, a febre, a vontade, o barulho e a confusão que causei, sei que, embora tenham me rendido várias cicatrizes, foi cada um desses passos que me trouxeram aqui, com a consciência que tenho, com os troféus imaginários que ganhei e escondi em algum lugar, com a deliciosa dor que costumo tomar de sobremesa. 

Tudo mudou e, em algum lugar do tempo, tudo permanece o mesmo. Ainda amo, ainda sinto, ainda acordo assombrado, gritando, implorando, remoendo. Mas me levanto da cama, olho o relógio, estou atrasado, corro. A nova versão da vida que me foi concedida não tolera tempo desperdiçado com esse tipo de coisa. De vez em quando eu paro para fumar um cigarro e ter uma pausa da realidade obrigatória da qual me forcei a participar, só para testar o tempo, só para ver se ele passava, mesmo, e passou, é claro que passou, estranho seria se não passasse. 

Depois olho em volta. Tudo está diferente. Mas o Natal está em todas as partes.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Infinito até que deixe de ser

Estava conversando com uma amiga quando ela me surpreendeu com a notícia de que seu namoro de mais de um ano havia acabado. "Como assim?", perguntei incrédulo. "Não era tudo que você queria?". Ela visualizou a mensagem no Facebook, ensaiou algumas mensagens que não enviou, até que, minutos depois, respondeu "Era... Até que deixou de ser."

Lembrei-me na hora do Soneto de Fidelidade de Vinícius de Moraes, que diz "Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure." Fala de amor, é claro. Dos romances que desejamos que sejam eternos. É o que todo mundo quer, afinal, quando algo é bom. Quando algo é tudo aquilo que procurávamos, tudo aquilo que queríamos. Até que deixe de ser.

Mas não é só ao amor e aos relacionamentos amorosos que isso se aplica. Que seja infinito até que deixe de ser faz sentido em vários outros departamento de nossas vidas. Nossos amigos, por exemplo, que são os melhores. São as pessoas que mais nos entendem no mundo, são a família que escolhemos para nós. Amizade é algo infinito e insuperável, certo? Certo. Até que deixe de ser.

Morar com nossos pais é uma das coisas mais prazerosas da vida, até que deixe de ser. Tem comida na mesa todos os dias, sem que você precise se aproximar do fogão - na pior das hipóteses, você apela para o freezer e o microondas. As roupas estão sempre limpas, cheirosas, amaciadas. Há sempre o abraço consolador da sua mãe, as palavras duras e verdadeiras do seu pai. Mas um dia a gente acorda e percebe que não faz mais parte daquele lugar. Que aquela convivência faz mais mal do que bem. Que as pessoas não estão mais se entendendo, falando línguas diferentes.Você percebe que o ninho era o seu lugar, até que deixou de ser.

E as profissões que escolhemos para nós? A gente sempre entra em um emprego com vários planos. O que vamos fazer com o primeiro salário? Quem vamos ser dentro da empresa em alguns meses? Era o emprego que eu queria, meu Deus, obrigado! Você lutou tanto para estar lá, vestiu-se da melhor forma para a entrevista, abriu mão dos seus piercings e cobriu suas tatuagens com as mangas longas de uma camisa social, logo você que sempre gostou de camisetas largas e confortáveis. Nos primeiros meses, mil maravilhas. Até que algumas coisas minúsculas vão se unindo e transformando tudo em uma grande bola de neve, e você descobre que não quer mais aquele emprego, que não quer mais se vestir dessa forma, que quer furar de novo o piercing que já até fechou, que não está feliz trabalhando com aquelas pessoas, dentro daquela carga horária, vivendo para o trabalho. Era o emprego perfeito, até que deixou de ser.

Também deixaram de ser as duas faculdades em que tentei me aventurar. Deixaram de ser os livros que comecei a escrever, esse, sim, vai ser um best-seller. O cara por quem eu decidi que ia lutar com todas as minhas forças deixou de valer o esforço. As amizades que acreditei que seriam eternas deixaram de ser. Os livros que comprei acreditando que seriam superinteressantes e transformadores, estão encostados na estante até hoje: deixaram de ser logo nas primeiras páginas.

Muitas coisas na vida são assim: aquelas que eram muito importantes, essenciais e insubstituíveis, deixam de ser antes que a gente perceba. O importante é conseguir encarar esses momentos. Entender que é o ciclo das coisas, posto que são chamas, e que a vida é um verdadeiro fogo de palha. Tudo é infinito até que deixe de ser. Tudo vale a pena até que deixe de valer. E depende de cada um de nós ter forças para deixar de ser cego e encarar a realidade, quando precisamos deixar de ser.

sábado, 12 de outubro de 2013

À deriva

Assisti ontem ao eletrizante "Gravidade", filme estrelado por Sandra Bullock que entrou em cartaz essa semana no Brasil. A atriz vive uma jovem engenheira da NASA, Ryan Stone, em sua primeira missão espacial, com o objetivo de consertar o telescópio Hubble. Devido a uma repentina chuva de destroços de um satélite antigo, Ryan é desprendida da nave em que trabalhava e fica à deriva no espaço. Um de seus colegas, Matt (interpretado por George Clooney), a resgata, prendendo-a ao seu jetpack com um cordão.

Sem controle nenhum de seus movimentos, ela é guiada apenas por Matt, que a transporta até a Estação Espacial Internacional, onde poderá conseguir ajuda. Percebendo que não conseguirá salvar ambos, Matt decide desprendê-la de si. "É isso, ou morreremos os dois", ele argumenta, quando Ryan já está praticamente sem oxigênio e suplica ao colega que não a solte. Mas ele o faz, e o filme começa de verdade.

Por mais assustador que pareça estar flutuando sozinha no espaço, antes disso, a personagem apenas segue os movimentos do amigo. Enquanto seu oxigênio se esgota juntamente com suas chances de permanecer consciente para lutar, ela nada pode fazer por si mesma. É só quando ela está sozinha e livre que a verdadeira luta pela sobrevivência começa.

É assim no espaço, e é assim na Terra, também. Estamos todos procurando sobreviver, à deriva em plena gravidade, esbarrando uns nos outros e nos destroços que a vida lança contra nós. E não adianta gritar, ninguém está ouvindo, ninguém aparecerá para te salvar. Tudo o que você tem que fazer é soltar.

No espaço ou na Terra, às vezes é preciso desapegar-se e deixar ir para poder fazer algo por si mesmo. Abrir mão de cordões e laços que nos prendem a situações em que não podemos fazer absolutamente nada, a não ser esperar pelas decisões de outras pessoas. Desistir de ficar apenas assistindo enquanto suas chances se esgotam, e lutar ativamente, antes que seu oxigênio e suas forças acabem. "Você precisa aprender a abrir mão, Ryan", diz Matt. Todos nós precisamos.

Às vezes, é a única chance de sobreviver. A única solução é a mais assustadora: estar sozinho. Lutar por si mesmo sem a ajuda de ninguém. Agarrar-se a tudo que pareça seguro quando se está à deriva. Deixar ir e começar a procurar esperança e salvação onde parece não haver nenhuma.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Montanha-russa


Foram duas horas e meia de fila da Montezum, a montanha-russa do Hopi Hari. Duas horas e meia de uma espera massacrante, não pelo sol sobre mim, nem pela fila em si, mas pelo medo. Durante esse tempo, milhares de coisas passaram pela minha cabeça. E se eu cair? Será que as travas de segurança são mesmo seguras? Espera aí, elas travam apenas as pernas? E o resto do corpo? De novo, e se eu cair? Meu lábio inferior tremia, assim como minhas mãos e o resto do meu corpo. Mal conseguia me concentrar nos assuntos que meus amigos começavam. Eu comentava, ria, mas meus olhos e minha mente estavam nos carrinhos verdes da montanha-russa e em suas travas de segurança.

Mesmo assim, eu fui. Parte porque sabia que iria me arrepender se não fosse, depois de cinco horas de viagem, depois de duas horas e meia de fila. Ir ao Hopi Hari e não andar na Montezum não é ir ao Hopi Hari. Parte porque havia uma certa pressão sobre mim por parte dos meus amigos: você vai, sim, senhor. Quando vi, já estava sentado no carrinho, com o cinto atado e a trava de segurança nas pernas. O carrinho começou a andar. É agora! Não tem mais volta.

Apesar de ter sido a primeira vez que andei naquela montanha-russa, a sensação era familiar. O medo, a hesitação, a expectativa. Passamos por isso durante toda a vida. Criamos um milhão de fantasmas e acidentes imaginários dentro de nós antes de um evento grandioso e, quanto maior é a espera, maiores ficam os fantasmas e os medos. Já passou por isso quem andou de montanha-russa, mas também quem teve que falar para um público gigantesco, quem já se jogou em um relacionamento duvidoso, quem já ficou horas e dias esperando por qualquer coisa aparentemente perigosa e ameaçadora. Quantas vezes você já se perguntou "E se eu cair de cara no chão?", "E se não for seguro?", "Quais as chances de dar tudo errado?". Eu, muitas.

A Montezum tem, logo no início de seu trajeto, a maior tensão do brinquedo inteiro: uma subida enorme, infinita e lenta, muito lenta. O carrinho inclina-se e começa a subir; você olha para os lados, o parque vai ficando cada vez mais visível. A expectativa vai aumentando até que o trenzinho atinge o ponto máximo do arco. Lá de cima, dá para ver tudo. É agora, você pensa. Já era. De repente, ele despenca do outro lado do arco, desenfreadamente, uma queda-livre a 100 quilômetros por hora.

Depois que o trem começa a cair, você percebe várias coisas. Primeiro, as travas são seguras, sim. Segundo, você não vai cair. Terceiro, a sensação é incrível! Depois da expectativa e do medo, eu não conseguia parar de gritar e rir ao mesmo tempo.

Ter medo é natural. Fomos feitos para isso e estamos aqui em razão disso. O medo nos alerta dos perigos e nos faz pensar bem antes de agir. No entanto, não sabemos controlá-lo e só usá-lo quando realmente está a nosso favor. A descarga de adrenalina nos impede de pensar que, talvez, deixar de fazer algo por causa do medo pode nos privar de momentos incríveis e oportunidades únicas.

Confie em seus instintos mas, de vez em quando, arrisque-se. Enfrentar o medo e se jogar nos nossos maiores desejos rende histórias interessantes, fotos hilárias e sensações indescritíveis. A alegria que vem depois das expectativas, da subida assustadora e do ápice do medo é insubstituível. Você percebe que seus medos eram apenas medos, frutos da nossa mania de acreditar em todas as coisas existentes no universo das coisas possíveis (e nem sempre prováveis), e curte a vista, que só nos é proporcionada quando nos arriscamos e enfrentamos nossos medos.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Rascunhos

Eu começo um texto e apago. Sempre foi assim e desconfio que sempre será. Uma pequena dezena de letras, três toques no teclado e a página está em branco de novo. Aí eu marco o papel digital com mais um pouco de tinta preta digital, para apagar alguns minutos depois. Quem tem alguma aspiração a escritor, ou qualquer pessoa que já tenha começado a digitar algo, sabe como é isso. Você olha para sua pseudo-obra-prima. Não é como você queria. Não fala o que você quer falar. Aí você apaga.

Gosto da praticidade disso e talvez fosse legal se a vida fosse assim. Não está dando certo? Control A, delete. Simples. Rápido. Em um instante, está tudo em branco. Dá pra começar de novo sem nenhum rastro do que não estava como você queria. Sem nenhuma letra fora do lugar. Backspace, corrige. Agora está perfeito.

Mas a vida é escrita no caderno, com um lápis intenso que marca várias folhas sob a que você está usando. Você desiste, acha que está ficando péssimo e passa uma borracha. Mancha tudo. Decide começar tudo de novo na próxima página (porque na vida não dá pra pular mais do que isso de uma só vez). Mas a próxima página está toda marcada, porque você estava escrevendo com paixão, com coragem, com esperança - dessa vez, vai ficar perfeito. Não fica. Você vira a folha, e lá está uma nítida marca d'água do rascunho anterior, daquele que não deu certo, daquele que você só queria poder deixar para trás e começar de novo em uma folha limpa. Uma marca afundada no papel, na pele, no coração, na memória. De vez em quando seu cérebro decide passar o ladinho do lápis nesse baixo-relevo, bem de leve, e as letras ficam ainda mais nítidas, parece que acabaram de ser escritas, num negativo: o papel cinza-grafite de melancolia e nostalgia, as letras brancas, vivas, marcadas.

Tudo bem, você diz, esperançoso. Dá pra escrever. E começa a escrever por cima. E se ficar ótimo dessa vez, terá sido escrito em cima das marcas do rascunho imperfeito. Se não ficar, há sempre outra página. Com mais marcas ainda. Até que elas se misturem tanto e fiquem tão ilegíveis que não faz mais tão mal assim. Fica até bonito, se for ver. Um monte de histórias erradas e amarradas umas nas outras, criando uma textura peculiar ao papel, e outra certa, escrita por cima, para te lembrar que não há história boa que não possa ser escrita sobre uma ruim.

Pronto. Já dá pra ler. Já dá pra publicar.

sábado, 28 de setembro de 2013

You blow my mind

O que caracteriza uma explosão? Segundo a Wikipedia, explosão é um processo em que ocorre um súbito aumento de volume e uma grande liberação de energia. A pressão aumenta de repente e tudo vai aos ares. Quando um corpo se torna pequeno demais para seu conteúdo, quando o que está armazenado decide aumentar consideravelmente, de forma que mal consegue se mover dentro do corpo e ao mesmo tempo é exatamente o que deseja fazer, mexer-se com muita rapidez, ele explode.

O corpo humano é um sistema pressurizado. Quando essa pressão aumenta subitamente e o volume de tudo que estamos armazenando durante muito tempo cresce, nós explodimos. Toda a sanidade que estávamos tentando cultivar cai por terra e é como se nossos impulsos mais ferozes tomassem o controle: bum! Em um segundo, o que antes parecia um cenário de paz e sensatez se transforma em um belo desastre.

Não dá para saber exatamente em que momento uma explosão vai acontecer, e muito menos o que vai causá-la. Pode ser qualquer coisa, qualquer faísca minúscula que coloca tudo aos ares. Uma briga com a família, com o namorado, com o chefe. Uma palavra em ordem desfavorável ao seu sentido. Uma mensagem com o que você não queria ler. Um congestionamento, uma chamada à cobrar, uma discussão com um vizinho. Uma nota baixa, um saldo bancário, uma notícia ruim. Um copo de vodka com suco. O que importa é que, quando uma explosão acontece, nada está seguro; por menor que tenha sido sua causa, os danos são enormes de qualquer jeito.

Quando algo - ou alguém - explode, tudo ao redor acaba indo junto, se ferindo, quebrando. Talvez, por isso, seja mais sensato ler as placas de advertência. "Perigo! Pode explodir a qualquer momento!" ou "Apenas me deixe em paz." Porque independente de palavras amigas ou água fria, uma coisa é certa: toda explosão causa danos. Rompe cordas e fibras. Faz qualquer coisa estável se tornar frágil.

Mas, contrariando qualquer lógica, explodir talvez seja a única forma de continuar inteiro. De expulsar o volume excedente e continuar respirando.

O bom das explosões é poder olhar em volta depois. Poder procurar nos escombros e ver o que, mesmo após o impacto, foi sólido o bastante para permanecer de pé. O que, mesmo com toda a destruição e os danos causados, foi forte o bastante para continuar vivo.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

It's time!

Já mencionei que existem pássaros que migram todos os anos e que eles simplesmente sabem a hora de abrir asas e se aventurar rumo ao que precisam encontrar? É um fenômeno interessante. Ainda não se sabe ao certo que tipo de sinal eles conseguem sentir, mas em um minuto eles estão em um lugar e, no outro, algo os diz que é hora de partir. Nada pode deter esse instinto, apesar de muitos se perderem na rota. Quando a hora chega, esses pássaros voam. Ao mesmo tempo e em direção a um mesmo lugar.

Um instante tão pequeno quanto um pensamento é o catalizador de grandes mudanças. Pense em todas as grandes transformações da sua vida: elas começaram vagarosamente, mas chegou um momento em que algo simplesmente explodiu dentro de você, acelerando bruscamente o processo. Geralmente esse catalizador é a dor. Algo dentro de nós que indica que precisamos mudar, porque ficar muito tempo em uma mesma posição cansa, causa dores, faz com que os membros formiguem até adormecerem completamente. Ficar parado adormece a vida. Dores do crescimento, já ouviu essa expressão? É quando os ossos estão ficando maiores do que o corpo estava acostumado. Crescer dói. Mudar dói. Tudo que estava inerte e precisou se movimentar repentinamente causa dor.

E então você sente que algo precisa ser transformado. Não importa como, nem o quê - você simplesmente sente os sinais, como os pássaros. Algum tipo de magnetismo vital se choca com sua zona de conforto e promove um caos, uma fome, uma necessidade. É hora de voar por alimento e calor. Para a alma. Tudo que a gente precisa, às vezes, é de algo que encha nossos olhos e nos surpreenda. De um caos que nos deixe cegos de medo a ponto de querermos apostar tudo para voltar a enxergar e ver uma paisagem diferente. Depois da tempestade, vem a calmaria, é o que dizem. Para, depois, vir outra tempestade.

Talvez, assim como os pássaros, seja difícil dizer em que ponto exato essas transformações aparentemente silenciosas começam. Por que você está em um lugar confortável e, de repente, não é mais o bastante? Por que o paraíso se transforma em um inferno rarefeito em um piscar de olhos? Por que sentimos essa necessidade vital de quebrar ciclos? Por que, de repente, parece que seu próprio corpo é pequeno demais para sua alma? Você não sabe dizer ao certo, não é?

Há momentos na vida em que você simplesmente sabe que é hora de voar, de mudar alguma coisa, de promover transformações fora e dentro de você. E então, como acontece com os pássaros, nada pode te parar. Você simplesmente abre suas asas... e voa.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Minta pra mim

Diga a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade. É o que imploramos o tempo todo. Não suportamos o fato de não saber o que está por trás das coisas mais importantes, e quando estamos mergulhados em dúvidas e medos, ela parece ser a salvação, a lufada de ar que nossos pulmões precisam.

O problema com a verdade é que ela nunca é o que você gostaria de ouvir. Ela derruba todas as suas expectativas e sai do roteiro que você havia planejado para a sua vida. Assim, de vez em quando, por mais que imploremos pela verdade como se ela fosse salvar nossas vidas, ela é a última coisa que queremos saber. Talvez porque queremos mais cinco minutinhos do doce sono da mentira que inventamos para nós mesmos. Talvez porque, quanto mais tarde soubermos da verdade, mais tempo teremos para nos preparar para ela.

Mas não se pode contar com os muros que erguemos para nos proteger, nem com os mapas de emergência que traçamos para fugir dela. A realidade tem uma forma peculiar de se apresentar à prova de qualquer preparação. Quando você menos espera, ela está à sua frente, como um balde de água fria te acordando sem piedade: amores acabam do nada, pessoas morrem em um piscar de olhos, amigos nos decepcionam. E quanto mais tempo demorarmos para aceitar isso, mais difícil será quando formos obrigados a encarar.

Por mais que tentemos fingir que não vemos, ela está lá, o tempo todo. No fundo do seu subconsciente, nos sinais que captamos sem perceber. Ninguém pode esconder a verdade por muito tempo, nem das outras pessoas e tampouco de si mesmo. Com o tempo, ela se torna aquele ferimento que você optou por não tratar e que cresceu e inflamou; aquele sintoma que você ignorou e que piorou, e que nenhum remédio consegue amenizar mais. No final do dia, ela te cutuca, e você pode até tentar ignorar, mas nada é maior do que aquela voz dentro da sua cabeça que te diz de novo e de novo o que você precisa saber. O que você quer ouvir. Mas que você prefere evitar. E então você reza para que, da próxima vez, você saiba mentir melhor para você mesmo porque, por pior que seja uma realidade inventada, ela é mil vezes melhor do que a verdade.

sábado, 17 de agosto de 2013

Eu nunca mais vou gostar de ninguém - e outras mentiras que contamos para nós mesmos

Lembro como se fosse hoje: eu tinha 15 anos e meu primeiro namoro acabou. Eu sofri muito e jurei para mim mesmo que jamais aconteceria de novo, que eu nunca mais me apaixonaria por ninguém. Que bobagem! Depois veio outro namoro frustrado, e outro, e outro...

Não é como se pudéssemos evitar. Coisas acontecem durante a vida, boas e ruins, e na maioria das vezes não podemos evitá-las: elas chegam de surpresa, nos envolvem com os dois braços e, não tendo escolha, a gente vai com elas, segue sua correnteza, e um dia se vê em um lugar completamente diferente. Nos cinco anos que passaram desde o término do meu primeiro namorico adolescente, aconteceram tantas coisas que parece até que foi em outra vida.

Mas e se meu desejo tivesse se realizado e eu nunca mais me apaixonasse por ninguém? E se eu tivesse me isolado em um quarto, prometendo que jamais sairia de lá e me arriscaria a dar de cara com um muro de novo? E se eu não tivesse permitido que nada acontecesse comigo? A resposta é óbvia: nada teria acontecido comigo.

Li uma crônica que compara as pessoas a milhos de pipoca: reagimos ao fogo, a sentimentos intensos e transformadores. Raiva, sofrimento, amor, perdas. Tudo isso faz com que mudemos de dentro para fora, explodimos, revelamos o que somos de verdade. Há quem diga que frustrações nos deixam mais frios, mas acredito que seja completamente o oposto: elas nos colocam em movimento. Nos força a crescer, nos deixa mais calmos e sensatos, nos ensinam que é preciso caminhar com os pés no chão e não temer o fogo, mas reagir a ele, deixar que ele faça seu efeito.

Quem não se arrisca e coloca algumas coisas a perder, jamais terá algo a ganhar. A vida é movida pelos sentimentos extremos e profundos, não por cautelas irracionais e superficiais. Quanto mais nos enfiamos dentro de nós mesmos, menores são nossas chances de aproveitar o que tem aqui fora, nas ruas em que caminhamos à procura de nossos sonhos e nas pessoas pelas quais corremos o risco de nos apaixonar, e quebrar a cara, e pegar fogo e explodir.

Depois do meu último relacionamento que deu errado, apesar do sofrimento, tudo em que eu conseguia pensar era "Que venha o próximo!". E veio. E embora digam que a gente sobrevive, sou prova viva do contrário: não sobrevivi a nenhuma perda. O que eu era sempre morreu, e eu nasci de novo todas as vezes: uma versão melhor e mais forte de mim, mais resistente e, ao mesmo tempo, sedenta pelo calor que muda quem somos, todos os dias, o tempo todo.

sábado, 22 de junho de 2013

Só pra te ver

Só de saber que eu vou te ver, meu coração se enche de uma alegria irracional. Digo ao meu cérebro que não se apaixone de novo, peço encarecidamente que não se engane, chantageio minha consciência e barganho as horas. Tento me manter lúcido, mas não consigo.

Porque ainda existe uma curva em seu cabelo que me hipnotiza. Sua voz me tira do sério e eu quase desmaio quando você ri. Você é um vício que eu não consegui curar. Então eu invento desculpas para te ver  e me engano dizendo que não é por você, mas é.

Eu saio a quase oitenta por hora e quase ganho outra multa. Se a polícia me parar e eu explicar, talvez eles entendam. Talvez me prendam e te chamem para me salvar. Fazer isso por alguém é um crime inafiançável. Só pra te ver, eu corro o risco.

Eu volto no tempo e finjo que é janeiro. Abro a gaveta e procuro uma roupa sua. Abro a porta e procuro você. Talvez eu tenha algo para fazer hoje, mas só pra te ver, eu adio. Só pra te ver, eu paro o tempo.

Você já deixou claro em seu silêncio que acabou. Mas só pra te ver, eu finjo que não entendi. Eu te mando uma mensagem de texto só pra te ver, invento festas e roupas, visto meu melhor humor e cubro minhas mágoas. Só pra te ver. É só pra te ver.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Melhor assim

Nada que eu faça vai fazer você ficar, e hoje eu entendi que é verdade mesmo: você foi embora. Você não vai me ligar no meio da noite, desesperado, como alguém que acabou de se recuperar de uma amnésia e se lembrou de tudo de uma vez só, dizendo que sente muito, que sente minha falta. Você não vai parar um dia no meio da rua, atônito, como alguém que lembrou que esqueceu algo importante, e se perguntar "O que foi que eu fiz?". Você não vai pedir para um de seus amigos vir falar comigo. Você não vai se arrepender do que fez. Você não vai perceber que nunca encontrará ninguém melhor do que eu. Você não vai desistir de uma festa para aparecer em minha porta.

É verdade, mesmo, você foi embora. E todas essas cenas que eu imaginei, de você me ligando, me chamando para sair e conversar, me levando para sua casa, me beijando e dizendo que se arrependeu, que me ama e que foi só uma fase confusa, mas que agora está tudo bem de novo, e o Universo se tornando um lugar seguro de novo, e nós dois resolvendo tudo, eu mandando mensagens para meus amigos dizendo "Nós voltamos!", você me levando para sua cidade no final de semana e anunciando para seus amigos "Nós voltamos!", nossos status sendo atualizados no Facebook para "Em um relacionamento sério", nós dois rindo em meu carro, "Quem diria, hem?", as dificuldades que nós enfrentaríamos juntos pelos fantasmas do término - as pessoas com quem você ficou, as que te mandam mensagem no celular o dia inteiro, as brigas que tivemos em minhas crises de raiva -, o texto inspirador que eu postaria no meu blog dizendo coisas do tipo "tudo se ajeita uma hora", o sexo quente e desesperado de reconciliação, os pesadelos, a angústia, a insegurança, a felicidade e o alívio, nada disso vai acontecer, tudo isso eram apenas formas que meu cérebro inventou para lidar com meu luto.

Eu passei por todas as etapas, e quando estava a um passo da aceitação, você apareceu de novo. No meio de uma tarde de quinta-feira, em que eu não estava mais nem pensando direito em você, me disse que precisava conversar comigo. Eu me enchi de esperanças de novo, mas tudo que você queria era perguntar como estava a minha vida. Te mandei para o inferno mentalmente, e quando estava quase me curando de novo, fui parar em sua cidade. Vi você, vi os lugares em que estivemos juntos, vi seu irmão, e tudo voltou. A negação, a raiva, os cheiros, os lugares, a saudade que eu tenho de você, tão grande que eu mal consigo respirar de vez em quando, o calor do ciúme que me dá todas as vezes que eu fico sabendo que você está com alguém, o desespero de querer te ligar e não poder. Tudo isso voltou e eu passei meus dias traçando formas e planos infalíveis de voltar no tempo e mudar as coisas.

Passamos por tanta coisa. Nosso namoro era mais turbulento e sufocante do que bom. Você com sua mania de querer ser o centro das atenções, eu com a minha intolerância a comportamentos forçados. Você com suas histórias mal contadas, eu com a minha insegurança, tentando prever o que iria acontecer a cada minuto, como se isso fosse evitar o desastre iminente: mais cedo ou mais tarde, nós ruiríamos em pedaços, e foi exatamente o que aconteceu, embora da forma mais inesperada. Eu não estava preparado para lidar com um desabamento justo quando minha vida começava a se construir - o ano começando, a aprovação no vestibular, os amigos novos que começaram a aparecer. Minha segurança havia sido restaurada e quando eu pensei "Agora tudo ficará bem", você apertou o botão Destruir, dizendo "vai ser melhor assim", e tudo foi para os ares novamente.

Não foi, nem de longe, melhor assim, e você foi o ser mais egoísta do mundo quando disse isso. Seria melhor assim para você. Era o que você queria. Para correr atrás de uma antiga paixonite que te deu um merecido pé na bunda depois, ou para se ver livre e poder correr atrás de quem você quisesse, que seja. Não foi melhor assim para mim. Foi, na verdade, a pior coisa que você poderia ter feito comigo, e talvez demore para essa dor ir embora e eu voltar a ser eu de novo. No entanto, hoje eu aceitei, deixei ir, desisti de esperar o telefone tocar e você me chamar para conversar. Entendi que isso não vai acontecer nunca, que você prefere sua vida vazia de festinhas idiotas e de pegar qualquer coisa que se jogue na sua frente do que tudo que eu tinha para te dar. Esse é o seu melhor-assim, eu entendi. É triste e vai demorar para passar, mas... talvez seja melhor assim, mesmo, e eu encontre uma razão para tudo isso em outra pessoa, em outra cidade, talvez em outro tempo. Nunca se sabe.

A gente pensa que tem o controle da vida, que temos força para fazer tudo durar para sempre, mas não é assim. Uma hora a gente tem que deixar ir. Então vai. Segue seu caminho, o que você julga melhor. Aproveita toda a sua juventude, gasta todas as suas fichas nisso que você aposta ser o melhor para você. Eu vou fazer o mesmo. Vou tentar esquecer que um dia eu te conheci, e procurar um motivo melhor para levantar da cama de manhã. E quando o tempo passar e for 10 anos mais tarde, tudo isso vai ser apenas uma lembrança remota para nós dois. Nós estaremos maiores, mais experientes, mais felizes, talvez. Você não terá mais obrigação nenhuma de me salvar de nada, e eu não precisarei mais ser salvo. Essa guerra dentro de mim terá acabado, você terá sido absolvido do seu homicídio culposo. A tempestade terá ido embora, tudo fará sentido novamente para nós dois, e talvez também faça sentido o que você disse. Talvez tenha sido melhor assim. Mais cedo ou mais tarde a gente descobre.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Te esqueci

Eu te esqueci. Nem me lembro mais que um dia estivemos juntos. Não me lembro mais do seu rosto, não tenho ideia de como seja sua voz, não possuo a menor pista do que você faz durante o dia. Você disse que precisava ficar sozinho e eu tentei respeitar. No começo foi difícil, eu não te deixava em paz, te ligava todos os dias implorando para você me aceitar na sua vida, prometendo que eu não iria te atrapalhar com seus compromissos. Depois eu entendi. Aceitei o não. Me conformei com a rejeição. E te esqueci.

Esqueci seu cabelo arrepiado e do seu rosto tranquilo quando você dormia. Esqueci que você odeia frango. Esqueci quando nos conhecemos, às 4 da tarde, no dia 10 de junho de 2012. Não está mais em minha memória o número do seu celular, que é parecido com o meu. Deixei ir embora o cheiro do Carpe Diem que você usava, e do Garbe, e do seu desodorante Nivea. Não me lembro mais que você adora Ellie Golding. Não faço ideia que, de todos os lanches do McDonald’s, você prefere o mais sem graça: pão-carne-e-queijo. Deletei da minha cabeça e do meu computador as séries que assistíamos juntos - Hot in Cleveland, Once Upon a Time, Revolution.

Esqueci do cheiro de cera que tem na sua cozinha, por causa das frutas decorativas da sua mãe. Se alguém me perguntar se eu me lembro de quando você me mandava mensagens todos os dias de manhã me desejando bom dia, vou dizer que não, assim como não me lembro da sua boca rosada, dos seus olhos castanhos, do seu nariz engraçado. Não consta mais no meu cadastro mental a noite em que você passou conversando com a minha melhor amiga, que gostou tanto de você. É uma afirmação falsa em minha cabeça que nós formávamos uma dupla incrível no Imagem & Ação. Não sei mais que seu beijo é delicado, que seu toque é a materialização da palavra “carinho” e que você achava incrível colocar a mão em meu peito porque percebia que nossos corações batiam no mesmo ritmo.

Esqueci que estivemos juntos por mais de oito meses e que foi turbulento, sufocante e incrível ao mesmo tempo. Esqueci você, esqueci eu, esqueci seus amigos, sua família, sua avó que disse que me considerava um neto. Te esqueci porque achei que quando isso acontecesse, você voltaria. Esqueci e me lembro disso tudo.

A única coisa que eu não posso me esquecer é de fingir que te esqueci todos os dias.

"Só pra você saber, eu esqueci você,
E foi tão fácil te esquecer, mesmo porque isso já estava no meu plano.
Só pra você saber, eu esqueci você,
E se um dia eu te ligar de madrugada em desespero, é engano."
(Clarice Falcão - Eu esqueci você)

sábado, 15 de junho de 2013

Terceira pessoa

De todas as formas de cura, experimentou as piores. Tentou entender, acreditou em uma fé a que nem tinha direito, quebrou copos e janelas. Respirou. O fogo lambeu seus dias, queimando o que tinha de bom, e então perdeu a cabeça. Trocou os pés pelas mãos e caiu. Confundiu esperança com realidade e deu o melhor de si. Não tinha razão em uma sílaba do que estava dizendo, mas persistiu e experimentou a invisibilidade, a insignificância, a sensação de ser um fantasma. Nenhuma chamada perdida, nenhuma mensagem pendente, nenhum ciclo encerrado. O tempo se repetiu em suas piores dimensões, curvando o espaço em um sorriso triste, em um aceno de adeus fictício. Os chocolates foram digeridos automaticamente, sem trabalho, sem emoção, junto com os beijos que não eram seus, liberando endorfinas efêmeras e frágeis. Meia hora depois e a saliva tinha o mesmo gosto, sem nenhum amor para intervir. Correu  para os braços de mil pessoas e substituiu os meses com horas vazias, sem uma ponta de culpa por trocar o certo pelo duvidoso. Cigarros foram acesos, sem fazer questão de esconder isso de ninguém. Manhãs esperando o correio trazer alguma encomenda de otimismo e nostalgia foram gastas em um quarto que não era seu. Os peixes morreram, o aquário foi vendido, os jogos foram vencidos. As panquecas ingeridas na casa de amigos meses antes ainda não haviam sido digeridas. O telefone não tocou. Nenhuma vez.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Cadeia do Amor

Festa junina é uma das tradições mais bacanas do nosso país, tanto pela comida quanto pelas danças e brincadeiras. Confirmei isso ao observar o brilho nos olhos dos estrangeiros que estão na minha faculdade. Um deles me perguntou, em uma das vezes em que fui preso na cadeia do amor, com um sotaque engraçado: "Como funciona isso?" Eu expliquei que você tinha que beijar alguém para sair ou pagar, e ele comentou "Que loucura!"

Ele acabou beijando uma garota que também estava presa, e eu fiquei sozinho na cadeia do amor. Em três das cinco vezes em que fui preso, ninguém apareceu para me tirar de lá. Provavelmente era alguém fazendo alguma brincadeira, mas me fez pensar: não é o que acontece o tempo todo, na vida de todo mundo? Alguém te prende e então te deixa lá sozinho, esperando para ser salvo? Você pode passar horas, dias, meses esperando que alguém te tire de uma prisão que ele mesmo te colocou, e no final ninguém aparece. Você tem que pagar para sair o dobro do que pagaram para te prender. O seu prejuízo é maior do que o de quem pagou muito barato para te colocar lá dentro e não deu as caras depois.

De todas as pessoas que foram presas comigo, havia apenas uma que eu gostaria que me salvasse da prisão mental em que ele mesmo me colocou. Mas eu sabia que isso não iria acontecer. Sabia que ele não estava lá por mim, e ele acabou pagando para sair. Ofereceu para me ajudar a sair, pagando para mim também, mas eu recusei. Quem me colocou ali que aparecesse para me salvar. E então eu percebi: às vezes ninguém vai aparecer, às vezes quem você acha que vai te salvar sai antes disso, e de certa forma, na maioria das vezes, você tem que salvar você mesmo, e tirar de si para sair de algo que, para quem te colocou lá por todo esse tempo, foi apenas uma brincadeira.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Tudo que eu podia ter feito

Sou um grande fã de Grey's Anatomy. Desde que comecei a ver a série, se transformou em um tipo de vício, e eu acabei comprando todos os boxes e uma camiseta, e entrei em uma equipe de legendagem só para poder traduzir os episódios. Não é tão fácil quanto parece: a série é cheia de jargões médicos, é óbvio. Sempre requer várias pesquisas para conseguir traduzir alguns termos. No entanto, há uma frase atribuída a cirurgiões que não deixa de fazer parte do dialeto coloquial todos nós, e a tradução dela é simples em qualquer contexto - quando um médico realiza todos os protocolos para salvar um paciente, corta aqui, emenda ali e mesmo assim o paciente não resiste e morre, é dito aos seus familiares: "Fizemos tudo que podíamos."

Quem já deu tudo de si por algo sabe do que eu estou falando. Horas e horas preenchidas de tentativas frustradas de fazer o impossível: reverter o estágio terminal de algo que estava prestes a morrer; horas inúteis tentando fazer um coração voltar a bater. Então você faz exatamente como os cirurgiões: corta aqui, emenda ali, liga, manda mensagens, conversa, tenta entender, tenta fazer entender. Perde noites de sono tentando encontrar uma forma de evitar o pior: o fim de algo que já está condenado há muito tempo e que não tem cura. Era só uma questão de tempo.

Todos nós somos movidos por algo que gostamos chamar de esperança, independente de tudo que nos faz acreditar que não há mais nenhuma. É o que nos faz lutar por causas que parecem invencíveis, nos arriscar mesmo sabendo que as chances de sucesso são tão pequenas que são quase inexistentes, jogar todas as nossas fichas em apostas duvidosas, tratar situações intratáveis. A esperança nos faz ignorar o óbvio e seguir nossos instintos, que nem sempre estão certos, mas mais do que qualquer coisa, são nossos. Então a gente luta, tenta o nosso melhor, faz tudo que pode. Até que um dia, depois de tudo, até mesmo a esperança morre e é feito outro anúncio: "Hora da morte: 20:10".

Como um cirurgião que tem que encarar o ente querido de um paciente para dar a notícia, é preciso ter coragem para encarar a si mesmo e anunciar: "Fizemos tudo que podíamos". É algo deveras triste de declarar, mas é necessário, e funciona como um álibi que evitará a culpa posterior por não ter tentado. Só assim quem ainda continua vivo pode tentar superar a perda e, mais cedo ou mais tarde, estar pronto para seguir com a própria vida, triste pela ausência, mas com a consciência limpa por ter feito tudo que podia ter feito. E o resto é com o tempo. Não depende mais de ninguém.

domingo, 2 de junho de 2013

I remember it all too well

Tempo. Foi tudo pelo que eu esperei. Todo mundo diz isso, como se fosse uma fórmula mágica: espere o tempo passar. O tempo cura. O tempo é o melhor remédio. Daqui a alguns dias vai passar, você vai ver. Concentre-se em outras coisas, ocupe sua cabeça, estude. Dê tempo ao tempo. E foi assim que eu risquei os dias no calendário um a um, acreditando que quanto mais os dias passassem, mais eu iria me distanciar daquele momento em que você decidiu seguir sozinho. Funcionou. Um dia, quando falaram seu nome perto de mim, tudo que eu senti foi um leve formigamento na garganta; eu engoli e passou.

Então eu ouvi seu nome ser pronunciado por alguém ao telefone naquela noite. Eu estava de novo na cidade onde muita coisa aconteceu. Eu passei pelas mesmas ruas, eu senti o cheiro da fábrica de café, eu voltei no tempo e deveria ser premiado por essa proeza da física. Foi como se nada tivesse acontecido. Foi como se ver você ali e te beijar fosse a coisa mais óbvia do mundo. Se eu fechasse os olhos, conseguiria convencer a mim mesmo que era fim de ano e você estava ali pintado de tinta neon. Consegui ver a gente almoçando em uma das mesas do shopping. Senti o cheiro da tequila misturado ao seu perfume. Ouvi sua amiga rindo. Foi tudo tão real e forte que destruiu toda a defesa que eu havia criado.

É engraçado como a gente pensa que as coisas estão mortas, até elas se mexerem dentro da gente. Eu morri várias vezes e continuo vivo, respondendo para mim mesmo um dos maiores questionamentos da humanidade: há vida após a morte? Há. E desde então, eu tenho tentado montar um quebra-cabeças confuso, com peças faltando e quando, mesmo assim, ele começa a fazer sentido, você aparece e rouba mais uma dúzia de peças. Você me liga para saber como eu estou. Você aparece na casa de um amigo e me abraça por muito mais tempo do que eu deveria, que não é nem um décimo do tempo que eu precisava. E eu vou e desenho novas peças, invento padrões que se encaixem, recorto com cuidado e tento colar nos espaços vazios do quebra-cabeça, e no final das contas tudo que eu tenho é uma figura inexata e surreal do que nós somos, ou fomos um dia.

Algumas coisas não ficaram claras, nem pra mim, nem para você. Uma tonelada de coisas preencheram nossas bagagens durante esses meses, coisas que eu disse sem querer, pessoas que apareceram e dificultaram tudo. Eu, em tão pouco tempo, consegui criar uma versão de mim mesmo que eu nem conhecia, uma pessoa que fala coisas que não deve e se suicida socialmente por acreditar que nada mais tem perigo, que o pior que poderia ter acontecido já passou, que a força que eu criei deveria ser usada para me defender. Eu me joguei das pontes mais altas com o carro em movimento. Eu movi montanhas pesadas e machuquei meus braços. Eu expus um lado tão íntimo que nem você conhecia. Minha consciência se resumiu a esta perda, e eu acreditei que não tinha absolutamente mais nada a perder.

Eu tinha um milhão de motivos para não escrever este texto, e outro milhão para não publicá-lo. E o único motivo que eu tinha para que ele estivesse aqui venceu: o tempo. Justamente ele, que cura. Mas eu descobri algo sobre o tempo que ninguém te diz quando te sugere que deixe o tempo passar: ele deixa as coisas maiores. Ele transforma fogo em cinzas, rochas em areia, pequenos em gigantes. É só isso que o tempo faz e é só isso que o tempo fez comigo: me transformou, e converteu toda a dor que eu sentia em uma armadura pesada que eu não consigo mais carregar.

Se eu pudesse mudar as coisas e escrever minha própria história, você estaria aqui, e nós lutaríamos contra tudo isso, daríamos um jeito de suportar a carga inicial de tempo, até que ele se dissolvesse, até que pudéssemos seguir de onde paramos, ou de onde deveríamos ter começado. Eu ligaria para você agora e diria todas as bobagens em que eu tenho pensado, e você ficaria feliz em saber delas. As pessoas ficariam impressionadas com a nossa força, e talvez até se inspirassem em nós. E eu desistiria dessa pessoa que eu virei, a entregaria para um personagem de um dos livros que eu tento escrever, e nada no mundo me faria mais feliz.

"And I know it's long gone and magic is not here no more
And I might be okay, but I'm not fine at all.
'Cause there we are again on that little town street,
You almost ran the red 'cause you were looking over me
Wind in my hair, I was there, I remember it all too well"
(All too well - Taylor Swift)

quinta-feira, 9 de maio de 2013

O outro lado do abismo


Alguém me disse uma vez que não dá para atravessar um abismo estando à beira do precipício. Você está
parado na ponta, olhando para baixo. Se tentar pular para alcançar o penhasco do outro lado, provavelmente cairá na escuridão. A beira do precipício não é o melhor lugar para se estar. Para conseguir chegar ao outro lado, a solução está na física: dar vários passos para trás, respirar fundo e correr o mais rápido que você conseguir, pegar o impulso necessário para pular e chegar são e salvo ao outro lado.

Todos nós passamos por esse tipo de metáforas. Situações em que você sabe que já fez de tudo, já chegou à beira do possível, do seguro, e que dar mais um passo te jogará para uma queda livre quase infinita. O caminho que você achou que seria eterno acaba ali, e tudo o que você precisa fazer é passar por isso, pelo enorme espaço que divide sua vida como era antes de seu chão sumir do caminho à frente, onde você precisa estar para seguir em frente. Tudo o que você precisa fazer é pular. E, para isso, é preciso dar alguns passos para trás.

Às vezes, voltar significa encarar de novo todas as memórias mais dolorosas que formam uma floresta por trás do penhasco onde você se encontra. Você lutou tanto para sair dela que chegou ali, no penhasco... e precisa voltar lá dentro para conseguir sair dele. É irônico, não é? Muito, mas a vida é assim, tem um senso de humor estranho. Mas é isso ou passar o resto da vida preso em um penhasco, ouvindo as vozes que te chamam vindo da floresta, sentindo o frio que sai de lá.

Trace o caminho, calcule a velocidade com que deverá correr e corra, jamais olhe para trás, nem por um segundo. Corra e só tire os pés do chão quando for a hora de pular. As razões que nos prendem ao passado são mais tentadoras do que as que nos fazem seguir em frente. O futuro é incerto, frágil, muda o tempo todo. Ninguém sabe o que o futuro guarda. Ninguém sabe o que há no penhasco do outro lado.

Mas é preciso mesmo voltar algumas dezenas de metros se quiser sobreviver. Talvez seja inútil e a gente acabe caindo no abismo. Ninguém sabe. Só depende do quanto você está disposto a arriscar, do quanto você consegue voltar para conseguir o impulso necessário para pular. Mas quando você salta, fecha os olhos, reza para não cair, e então sente seus pés tocando com força o chão do outro lado do abismo, descobre que valeu a pena e que a vista do outro lado pode ser fantástica.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Caos


Há uma guerra acontecendo dentro de mim entre o que é certo e o que é errado, entre o que é real e o que é insano, entre o que faz sentido e o inexplicado. Há um milhão de palavras que eu não consigo decifrar, mas que precisam ser ditas de alguma forma, gritadas, expulsas de um sistema circulatório que não foi feito para abrigá-las.

Há caos vibrando em cada molécula que me forma, fazendo com que minhas mãos e pernas tremam sem explicação. Meu coração bate tão rápido que parece que vai explodir e eu acumulo tanta energia dentro de mim que poderia acender uma lâmpada. Mesmo assim parece inútil qualquer esforço que envolva discar um número, abrir minha boca, deixar sair todas as palavras que eu queria te dizer mas que não posso, por motivos tão óbvios que chegam a ser humilhantes.

Você me assusta quando aparece do nada, seu formato queima minha retina e eu fico cego momentaneamente. Você nunca avisa quando vai chegar, assim como nunca avisou que iria embora tão cedo. Me pega de surpresa e eu não sei para onde correr, e eu acabo optando pelo caos, pela loucura de acreditar que o telefone vai tocar, que eu vou te ver, que o mundo vai parar de acabar dentro de mim um pouquinho todos os dias.

Um dia pode ser que eu entenda todas essas decisões tomadas de última hora, e também as que vieram se formando com o tempo que passamos juntos. Eu já acredito em muita coisa. Acredito que cheguei a um ponto em que nada vai voltar a ser como era. Que você é outra pessoa, bem melhor sem mim. Acredito que seus olhos procuram coisas novas, assim como sua língua, seu tato, todo o resto do seu corpo. Acredito que eu vou sair dessa uma hora, já estou quase inteiro para fora, consegue ver?, só falta tirar essa poeira do corpo, trocar de roupa, colocar o celular no mudo e conseguir dormir uma noite inteira sem sonhar com você, e serei outra pessoa, tão melhor quanto você, tão faminto por novas paisagens quanto você. Acredito que não falta muito.

Faz frio nessa cidade como fez ano passado, como faz todos os anos. É a lei das estações e vai ser para sempre assim, até que uma força muito grande ou, talvez, muito pequena, consiga mudar isso. Ninguém está imune ao frio, nem mesmo eu, que quis tanto que ele não chegasse para que não trouxesse de volta todas aquelas memórias, aquelas ruas, aquela visão fria e morta da janela da sua sala.

Ninguém está imune às mudanças, e ninguém está imune ao caos. Um dia, talvez, eu consiga encontrar alguma ordem nele, algum padrão aparentemente indecifrável. Talvez, então, minhas mãos parem de tremer inexplicavelmente em uma tarde de terça-feira, e você deixe de ser a cura temporária e a certeza mais incerta que eu cultivo dentro de mim.

Mas enquanto isso, eu continuo observando as tardes, as palavras, os medos e o caos.

domingo, 5 de maio de 2013

Parque de diversões


O parque de diversões chegou à cidade e eu fui. Fazia tempo que eu não fazia isso - me deixar levar por algo tão grande, ser colocado de cabeça para baixo, gritar tão alto, sentir o coração bater tão forte, ter aquele pensamento que todo mundo tem quando está preso a algo imenso, pendurado a dezenas de metros de altura, sem saber exatamente qual foi o trajeto que o levou até lá: e se isso me matar? E se os fatores que garantem a segurança disso falharem e eu cair de tão alto, e se não for tão seguro quanto parece ser, e se eu tiver que encarar o chão, sentir o peso da gravidade se chocando contra mim? Parecia amor.

Ele foi embora (o amor, não o parque). Levou consigo todas as suas luzes. Fechou da noite para o dia, deixou um terreno vago, empoeirado, com algumas marcas de onde antes estavam suas atrações mais incríveis. Às vezes eu volto ao local onde ele se instalou e ainda consigo ouvir os gritos de alegria, sentir o cheiro da adrenalina, o frio na barriga. Ainda tem nossos passos naquele chão. Eu me lembro da data e do horário de quase todos eles. Mas eu olho em volta e ele não está mais lá. Só restou um vazio no meio de uma cidade tão grande, um buraco a ser preenchido, é quase como se ele nunca tivesse estado lá, se não fossem todas essas marcas, e essas vozes, e esses gritos.

Talvez ele volte um dia e eu possa me sentir feliz de novo. Ou talvez eu encontre outra coisa para preencher o vazio que ficou no lugar dele. Ninguém sabe o que pode acontecer. Eu não sabia que um parque viria à minha cidade tanto quanto nunca imaginei que fosse me apaixonar por aquele cara.

Há sempre um outro parque.
Há sempre um outro amor.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Por acaso


Um dia eu acreditei que as coisas nunca fossem mudar. Talvez tenha desejado isso com tanta força... E não estava em minhas mãos. Elas mudaram. Eu nunca imaginei que estaria onde estou, nunca pensei que conheceria as pessoas que eu conheço, jamais cogitei que fosse perder algumas outras. A vida toma seus próprios rumos, quase aleatórios, a gente mal percebe quando um tempo acaba e outro começa. Um dia eu acordei e me perguntei: como foi que eu vim parar aqui?

Existe uma lenda chinesa sobre um fio vermelho que os deuses amarram no tornozelo de todas as pessoas que estão destinadas a se encontrar. Este fio estica, emaranha-se, mas jamais se parte. Outra teoria, mais científica, diz que o bater de asas de uma borboleta pode influenciar o curso natural das coisas, a ponto de provocar um tufão no outro lado do mundo. Quando algo acontece, bom ou ruim, gostamos de acreditar que foi por uma razão, pré-destinado, era para ser.

Há dezenas de teorias para explicar uma das coisas mais intrigantes e mágicas da vida: o acaso, o fato de que não se pode planejar muita coisa na vida sem contar com essa variável imprevisível, frágil, volátil. Nossas escolhas nos trouxeram aqui, cada uma delas, e nós as fizemos por alguma razão. Como teria sido se, naquele dia em que eu conheci aquele cara pela internet, uma chuva tivesse derrubado a energia durante horas e eu nunca tivesse tido a oportunidade de vê-lo nos "amigos sugeridos"? Eu o teria conhecido mesmo assim, em uma situação diferente? Eu teria feito os amigos que fiz, teria conhecido lugares que conheço hoje, a faculdade na qual eu estudo? Quem eu seria se eu nunca tivesse sofrido algumas perdas que me fizeram ser o que sou hoje? Onde eu estaria agora se eu tivesse feito escolhas diferentes? Já se perguntou o que é isso, essa força que nos puxa, esse fio que se estica, se emaranha, que faz com que nos encontremos e define os pontos mais importantes das nossas vidas?

Talvez estejamos aqui por uma razão, e nós nunca saberemos qual ela é até que se acabe. Talvez cada um de nós esteja destinado a encontrar alguém, a aprender determinadas coisas, a passar por certas dores. Ou talvez não seja nada disso. Talvez a vida siga um curso incerto, uma mistura aleatória de sorte e azar, de borboletas batendo suas asas e influenciando o destino caótico de cada um de nós.

Quem sabe?

Quem sabe o que é isso que nos conecta, que nos coloca nos lugares exatos, na hora certa? O que nos colocou aqui, neste exato ponto, em um universo tão infinito? Destino? Acaso? Sorte e azar? Talvez eu nunca descubra, porque se trata da vida, e a vida está longe de ser uma ciência exata, ela muda o tempo todo. A única coisa que eu sei é que, na maioria das vezes, ela nos coloca exatamente onde deveríamos estar.

sábado, 13 de abril de 2013

Explicação


Quando eu era criança, havia um bordão clássico para quando alguém fizesse uma pergunta e outra pessoa respondesse "porque sim". Você se lembra. Consegue ouvir a voz do rapaz com roupa colorida dizendo que "porque sim" não é resposta. Eu acreditei nisso durante duas décadas.

Quando o amor acaba, quando alguém vai embora, quando algo ruim acontece, a gente não se dá por vencido enquanto não encontra uma explicação. Seguir em frente acaba dependendo disso. Por que isso foi acontecer comigo? Por que, depois de tudo, eu tive que passar por isso? Por que eu estou sozinho? A gente não descansa enquanto não encontra respostas para isso. O problema é que algumas coisas não têm resposta.

Nos ensinaram com a melhor das intenções que "porque sim" não é resposta. Não era por mal que o cara de roupa colorida ficava manuseando aquele controle remoto, procurando uma explicação para tudo, e então dizia "acho que encontrei!" A curiosidade é um instinto vital, precisamos querer saber por quê. Mas a vida real não vem com um controle remoto de explicações. Nem sempre a gente encontra as respostas para nossas perguntas, e nos prendemos a histórias infinitas, analisando passo a passo tudo o que aconteceu, tentando encontrar uma razão, um motivo, algo que nos permita entender as coisas e seguir em frente, quando a resposta para todas as nossas perguntas é tão simples que chega a ser condenável: porque sim.

Você pode passar a vida procurando por respostas que nunca virão, que talvez nem existam. O amor simplesmente acaba, momentos desaparecem, pessoas vão embora. A vida muda em um instante e tudo que a gente pode fazer é aceitar que algumas coisas não têm explicação. Elas simplesmente acontecem, e são consequências de se estar vivo. Por quê? Porque sim. É só isso que você precisa saber.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Ignorance is Bliss

Eu pedi pela verdade, procurei por ela em cada buraco daquela história, e hoje consigo me lembrar daquele som. Meu coração quebrando. Os gritos. A raiva. Todo o inferno que veio junto com a verdade. Existe algo pior do que não saber algo? Existe: saber. Ignorância, como dizem, é uma bênção.

Imploramos pela verdade, esperando que as coisas melhorem, que ela nos cure, nos liberte, nos conforte. Mas essa é a verdade que queremos ouvir: aquela que nos permitirá seguir em frente, com a cabeça erguida e a sensação de paz; aquela que, por mais verdadeira que seja, será fácil e compreensível.

Quando a verdade se revela, nunca é assim. É sempre maior, pontiaguda e mais pesada do que imaginávamos. Às vezes, custa sua paz de espírito. Verdade é algo irreversível, e uma vez que você a encontra, não dá para fugir dela. É como uma maldição, com a qual você terá de conviver todos os dias.
Quanto de verdade você acha que consegue aguentar? Verdades são explosões luminosas na escuridão. Quanta claridade seus olhos suportam?

Mas o problema é que a verdade não se esconde para sempre. Portanto feche seus olhos. Respire fundo. Aceite o que você já sabe. Aproveite seu tempo. Porque, em algum momento, a verdade explode na sua cara. E esse é o pior tipo de verdade que existe: aquela que você não estava esperando.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Speak Now

Eu não tinha nada a perder. Achava que tinha feito tudo o que podia. É isso, não é? Não posso mais lutar por isso. Usei todas as minhas fichas. Foi então que percebi que ainda não havia feito o mais importante: falar.

Existe uma parte de nós que gosta de aprisionar nossos sentimentos mais intensos, e ela se chama orgulho. Nos agarramos a ele como se estivéssemos soltos no oceano; nos protegemos atrás dele como se fosse um muro. Mas nunca estamos seguros quando se trata da verdade: ela sabe voar, seja para dentro ou para fora.

A vida é muito curta e nós temos poucas oportunidades reais para dizer às pessoas o quanto as amamos, o quanto sentimos falta delas, como nos arrependemos de certas coisas que fizemos. Deixar o tempo passar é uma forma de suicidar nossos sentimentos, porque até eles passam, morrem em cativeiro como um pássaro em uma gaiola.

Então diga, com toda a honestidade que puder: eu te amo. Eu sinto sua falta. Eu quero estar com você. Eu te abraçaria todos os dias da minha vida. Falta um pedacinho de mim. Eu nunca quis causar a bagunça que causei. Eu não quero te perder.

Você não pode sufocar seus sentimentos para sempre. Às vezes, tudo que você pode fazer é falar. É só o que te liberta, como o último nó que você tem que desatar, a única ficha que você tem para jogar antes de seguir em frente, triste pela perda, mas sabendo que fez tudo o que podia.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Incompleto


Eu estava sentado em um banco, próximo à biblioteca da faculdade, esperando dar o horário de uma prova enquanto dava uma última revisada na matéria sobre protozoários, esponjas e outros detalhes que cairiam nela. Foi quando duas garotas passaram perto de mim, provavelmente indo almoçar, e depois de compartilharem um silêncio pensativo, uma delas perguntou à outra: "Às vezes não te parece que falta alguma coisa?", e a outra respondeu "Sempre." As duas riram e seguiram seus caminhos em direção ao portão, e os protozoários já eram. Fiquei olhando para um ponto e perguntando para mim mesmo: "Não te parece que falta alguma coisa?"

Nunca estaremos completos e talvez seja isso que nos faz continuar vivendo: a busca. O que te faz sair de casa todos os dias, encarar um mundo difícil, se arriscar? Por que você comete a enorme loucura de se apaixonar por alguém, de aceitar dividir todos os seus pensamentos, esforços e sentimentos com outro ser humano? O que faz com que nos joguemos de cabeça nas coisas sem avaliar as consequências, o que nos deixa tão cegos? O vazio, a sede de preencher uma lacuna dentro da gente e, finalmente, nos encontrar de verdade.

Temos uma obsessão enorme por querer completar cada espaço disponível que ainda temos, e isso nos leva a cometer erros, como tentar preencher nossas lacunas com o que não deveria estar ali. Assim, nos lançamos em relacionamentos difíceis, acreditamos em promessas frágeis, deixamos que qualquer coisa faça parte de nós sem avaliarmos o valor real de cada espaço, de cada vazio, de cada falta que algo nos faz.

Muitas vezes, aceitar esse vazio e deixá-lo em paz é mais importante do que tentar preenchê-lo. Às vezes, preencher um buraco é sufocar todo o resto. O vazio é essencial para que possamos continuar caminhando, carregando nosso próprio peso, lidando com nossas próprias cargas, encarando nossas próprias decepções, sempre tendo um espacinho não preenchido ali, nos lembrando de que não está acabado, que a busca continua, que ainda há lugar para coisas melhores. Deixar alguns espaços vazios é permitir que a alma respire.

É importante sair do próprio corpo de vez em quando e olhar para nós mesmos. A gente acaba percebendo que o vazio não é tão ruim assim, que algumas lacunas nos caem bem. Parece que falta alguma coisa? Sempre parece. Mas que continue sendo assim, e que a gente encontre forças para preencher estes espaços e esvaziar outros sempre que for necessário, para que coisas maiores possam vir. Gente completa demais transborda e fica vazia de novo, até que aprenda que é nas lacunas, no silêncio e na solidão que a gente encontra espaço para existir de verdade.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Deixe ir


Eu tenho uma tatuagem no braço de que gosto muito. É uma gaiola, cuja portinha está aberta. Dentro dela, há um pássaro e um coração e, abaixo, a inscrição LET GO. Significa "deixe ir". No outro braço, bem na mesma altura, há dois pássaros voando. Foram embora. Às vezes me perguntam o que minhas tatuagens significam e, para essa, a explicação é muito simples: desapego. Mas o significado dessa palavra, na prática, não é tão simples assim.

Deixar ir não é fácil, principalmente quando amamos aquilo que acreditamos possuir. Estamos tão acostumados com as coisas que elas passam a fazer parte da natureza do nosso mundo particular, como a gravidade. Se você abre mão delas, a sensação é a de ficar sem chão, sem ar, sem luz. Deixar ir dá medo porque e se você der a algo a escolha de ir embora ou ficar, e ele optar por ir? E se você passar muito tempo da sua vida desejando que tinha algo e em uma fração de segundos ter que encarar a realidade de que nunca foi seu de verdade, que nunca quis fazer parte da sua vida? Poucas coisas são tão insuportáveis.

Mas às vezes temos que aceitar que algumas coisas precisam ir embora, e que essa é a engrenagem que move a vida: a perda. É perdendo tempo que a gente aprende a valorizá-lo, é perdendo a sanidade que a vida nos ensina a pensar duas vezes e contar até cem antes de fazer algo por impulso ou raiva, é abrindo mão de velhos hábitos que a gente se dá a chance de perceber o quanto a vida pode ser melhor sem eles. Perder é se permitir ganhar.

Às vezes, é preciso abrir a porta da gaiola e ver o que acontece. Deixar ir é um ato de libertação para todas as partes. Ninguém quer viver preso a algo, assim como ninguém merece dedicar sua vida a um pássaro que quer voar embora - Fly Away, como diz uma outra tatuagem que eu conheço muito bem. É necessário deixar ir um amor, um projeto, e principalmente o orgulho.

No final das contas, há outra pergunta que fazem sobre a minha tatuagem, e ela é bem pertinente: por que há um pássaro e um coração dentro da gaiola? Por que eles não foram embora com os outros pássaros? E a resposta para isso é mais simples ainda: porque eles escolheram ficar.

"Quando a luz do dia chegar, eu  terei que ir
Mas esta noite eu vou te abraçar bem forte."
(Daylight, Maroon 5)

sábado, 16 de março de 2013

I Will Survive


Eu pensei que fosse morrer. Quando ele disse que não queria mais, uma parte de mim não conseguia acreditar, processar a informação, e a outra entrou em desespero, acionou um alarme vermelho que ficou rodando e apitando dentro da minha cabeça. Eu preciso ficar sozinho, ajeitar minha vida. É por causa do seu ex, né? Não, Bruno, não é. É sim. Não é. Ok, por que você não pode ajeitar sua vida comigo nela, então? Não é assim, Bruno. Como não é assim? A gente se vê só de final de semana, não vai te atrapalhar em nada. Não é assim, Bruno. Você só sabe falar isso? Bruno...

Quando um amor acaba e parece que uma parte de nós se foi, a gente não quer saber de mais nada. Tira esse sol daqui, fecha essa janela e essa porta que eu quero dormir para sempre; não quero saber de comer, de tomar banho, não quero ficar bonito nem saudável. Quero apenas me deitar nessa cama, me enfiar debaixo desse edredom, e só sair daqui quando esquecer de tudo, seja vivo ou morto.

Levanta daí, Bruno. Para com isso. Você é tão bonito, tão bacana, tanta gente gosta de você. E daí? Ele não gosta mais. E daí que não? Ele não é a coisa mais importante da sua vida. É sim. Não é, Bruno, não é, você vai encontrar outra pessoa, que te mereça, que valha a pena. Mas ele disse que me amava, disse que ficaria comigo, acontecesse o que acontecesse. Não era verdade, Bruno. Por que não era? Não sei. Ninguém sabe. Ninguém sabe. Agora, levanta daí, e vai comer.

Mas eu não fui, e acabei no hospital com desidratação. O médico receitou um soro, o enfermeiro veio aplicar. Pensei nele. Doeu. O enfermeiro procurou uma veia, mas não achou. Será que já estou morto? Procurou de novo, encontrou uma bem fina na base do pulso. Pensei nele de novo. Doeu mais. O enfermeiro colocou a agulha. Doeu. Está doendo? Não. Se começar a doer, me chama. Chorei.

O maldito sol que nascia todos os dias. Mal sabia eu que era ele que ia me jogar para frente. Eu já estava bem, quando descobri que ele estava com o ex de novo. Foi triste. Perdi a cabeça, quebrei tudo que ele tinha me dado, chutei o carro do cara, xinguei ele de todos os nomes, falei um milhão de verdades que estavam entaladas na minha garganta. Me libertei. Descobri a pessoa que ele era, que sempre foi, mesmo estando comigo durante todos esses meses. Me arrependi. Chorei. Chorei. Quis bater em alguém, quis matar alguém, quis me matar. Mas o sol, ah o sol... Estava lá, acontecesse o que acontecesse, ele sim estava lá sempre. Me obrigando a levantar da cama, a encarar a realidade, a juntar meus cacos rapidinho e ir para o mundo, que não ia ficar esperando para sempre.

Fui lá fora e encontrei olhos azuis. Ganhei um livro, depois de ter vendido todos os meus por ele. Encontrei amigos. Vi as nuvens. Conversei com desconhecidos no ônibus. Almocei na universidade. Perguntei os nomes dos outros. Elogiei alguém. Comprei tênis novos. Vi um pedaço de vegetal no microscópio, e a vida é tão linda, tão perfeita, tão encaixada - tudo está ali por um motivo. Dobrei uma esquina e começou a chover, uma chuva pesada, típica de verão, tão densa que dava para passar por entre as gotas sem se molhar. Dei risada com uns amigos. Fui para festas. Morri de rir. Dancei. Beijei alguém. Gostei. Ouvi alguém tocar violão para mim. Adorei. Andei de carro sem ele, ouvi os CDs que eu costumava ouvir com ele sem ele, fui aos velhos lugares sem ele... aprendi a viver sem ele e, com um susto enorme, descobri que não faz a menor falta.

Aprendi que não adianta a gente lutar contra os dias que estão por vir, as dores que eles trarão e a cura a qual teremos que buscar. Essas são as consequências de se estar vivo e, por mais que às vezes doa, é preciso encarar as coisas com bom humor e otimismo, porque tudo passa, tudo sempre vai passar, seja bom ou ruim, seja grande ou pequeno.

Eu pensei que fosse morrer... e estou mais vivo do que jamais estive.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Quem diria?

Eu nunca pensei que as coisas estariam como elas estão agora. Há um mês, tudo fazia sentido. Tudo estava onde deveria estar e, apesar da minha personalidade instável, eu estava calmo. Eu nunca imaginei que fosse possível sentir um vazio tão grande e inenarrável dentro de mim. As pessoas não deveriam desaparecer quando sentem isso? Não. Fácil demais.

Mas, mais do que tudo, acho que eu nunca cogitei que fosse desejar nunca mais vê-lo. Eu, que sempre fiz questão de estar perto dele, jamais teria me convencido de que pensar naquele rosto fosse me causar um arrependimento tão grande, uma vontade tão sobre-humana de nunca ter acontecido daquela forma, de nunca ter clicado naquele nome, de nunca ter iniciado uma conversa, um beijo, um relacionamento que só significou algo para mim.

Eu achava que aquele amor fosse uma boa ideia. Pensei o tempo todo que, apesar de certas dificuldades, fosse valer a pena. Nunca me ocorreu que eu estaria aqui, onde eu estou, rasgando todas as lembranças que eu tenho de nós dois, querendo me mudar para um outro planeta onde eu não tenha que dividir o ar com ele e com a indecência que ele esconde por trás daquela máscara.

Nunca pensei que fosse ter uma decepção tão grande em um intervalo tão curto de tempo... e, mesmo assim, no fundo da minha mente, eu soube desde o primeiro dia.

domingo, 10 de março de 2013

Para todo fim



Quando inventaram a autoajuda, não sei se tinham ideia da popularidade que ela alcançaria. Todos nós, por mais cultos que queiramos parecer, já nos rendemos a certos livros ou frases, seja para nos sentir melhores em momentos difíceis, seja para tentar entender o lado quase incompreensível da vida e ver que não somos os únicos a passar por certas coisas. Não sou fã deste tipo de literatura, mas simpatizo com uma de suas frases clichês: "para todo fim, um recomeço."

Vivemos as coisas com uma intensidade tão grande que acreditamos que elas durarão para sempre. Não é um defeito, mas uma característica natural das pessoas apaixonadas por algo ou alguém: nos dedicamos, jogamos todas as nossas fichas, arriscamos tudo, colocamos a perder. E um belo dia você descobre que acabou. Seus planos foram por água abaixo, nada é como você havia imaginado, e nós somos lançados a uma das tarefas mais difíceis e importantes da vida: recomeçar.

Não é fácil recolher os cacos e começar de novo, principalmente porque quando uma nova fase se inicia, nunca começamos do zero: temos uma bagagem ainda maior para carregar conosco na subida do que tínhamos quando tudo começou. Nós lutamos contra as perdas e os recomeços como se tivéssemos algum controle sobre eles. Quando chega a hora de dizer adeus a algo, não há autoajuda, sofrimento ou barganha que nos salve. O que tem que ir, inevitavelmente vai. Podemos passar a vida negando uma perda, tentando brigar contra ela... mais cedo ou mais tarde teremos que encarar que, querendo ou não, recomeços são necessários, e se soubermos encará-los com força e maturidade, será transformador.

É verdade o que a autoajuda diz; para todo fim, há mesmo um recomeço. É assim que funciona, para o nosso próprio bem. Mas eu diria que, mais importante do que isso, o contrário também é verdadeiro: para cada recomeço, é necessário um fim.

sábado, 2 de março de 2013

Eu quero acreditar

Não parece que é de verdade. Ainda tem uma camiseta sua na minha gaveta, e seu cartão de Valentine's Day ainda está guardado no meu armário. Seus presentes estão expostos na minha prateleira de livros, sua voz ainda vibra nos meus ouvidos, e eu finjo que você está dentro do meu carro, venho o caminho inteiro conversando com um banco vazio. Por um minuto, pareceu real, até que eu tive que fazer uma curva e olhar para meu lado direito.

É difícil acreditar que você foi embora. Que pegou todos os nossos planos e as nossas memórias e enfiou em algum lugar que eu não sei onde é, não se importou em pedir minha opinião, não se deu ao trabalho de olhar para elas com carinho, não pensou, sequer entendeu. É isso, a gente terminou, eu fico repetindo pra mim o tempo todo, obrigando meu cérebro a processar a informação, tentando enfiar essa dose horrível de realidade goela abaixo. E isso revira meu estômago, e eu fico doente de verdade.

Tudo está aqui como era antes, e eu acordei hoje sabendo que era uma manhã daquelas em que você estava aqui, deitado na minha cama, dormindo silenciosamente, coberto mesmo estando calor. Nada mudou, você só levou você mesmo embora, o resto está aqui, pendurado, exposto, emitindo sons, sangrando.

Você me pediu para ter forças e respirar fundo. Prometeu que eu ia ficar bem. E eu quero acreditar. Quero acreditar que eu vou te esquecer, que minha vida vai voltar ao normal, mesmo com um buraco em várias partes dela. Quero acreditar que a gente acabou, mesmo, que você foi embora e me deixou aqui, atônito, chocado. Eu quero acreditar nisso.

Mas eu não consigo acreditar em você.

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Atualização, 03/03/2013, 11:50 AM:
Acreditei, e deixei ir.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Súbito

Aconteceu de repente, e eu não consigo pensar em nada bom que possa acontecer de repente. De repente pessoas morrem, de repente aviões caem, de repente prédios desabam.

De repente era de manhã, estava tudo estranho, talvez fosse pelo álcool da noite anterior, talvez a dor de cabeça ou o sol muito forte que faz nessa cidade, eu percebi um contorno diferente nas coisas, um tom sépia triste, eu beijei seu pescoço numa marca de sol, senti seu cheiro e foi a última vez, não consigo acreditar, foi a última vez que eu te dei um beijo, você estava de costas pra mim, mexendo no seu celular, essa memória parece tão triste agora, tão solitária, você, sua marca de sol, e foi só isso.

De repente eu sabia, sabia e não fazia a menor ideia de que seria isso, não conseguia acreditar na minha própria intuição, não fazia sentido, não era possível que você fosse terminar comigo, não tinha motivos, tinha? Eu aprendi a lidar com meus medos assim, me perguntando se eles tinham algum fundamento, alguma base em fatos reais, e dessa vez foi assim também, fiz uma análise cuidadosa dos nossos últimos dias, e tudo estava tão bem, nós assistimos àquele filme juntos, nós tomamos milk shake juntos, nós nos deitamos na minha cama e ficamos inventando versões em português para músicas americanas, você me beijou, você me abraçou e me chamou de filhote, como você sempre fazia, é horrível escrever verbos no passado para me referir a você, porque não parece que foi no passado, e parece que foi há um século, parece que foi ontem, foi há uma semana.

De repente nada fazia mais sentido. Você entrou no carro e a gente não se beijou. Você não estava falando coisa com coisa, eram só murmúrios, eu pensei que fosse só mais uma daquelas nossas discussões sem motivos bons, que iríamos ficar em silêncio por um tempo, e depois nos abraçaríamos e o mundo voltaria a fazer sentido para nós, mas não foi. Você respirou fundo... e saiu. Todas aquelas palavras, tão inacreditáveis, ele não pode estar falando sério, não pode ser verdade, ele só está bravo, ele só está cansado, talvez seja o álcool da noite anterior. Não era.

De repente eu estava em casa, não conseguia acreditar, eu chorava como se fosse morrer disso, até agora não consegui parar, existe uma outra versão de mim sem você e eu não a reconheço, não faz parte do que eu imaginei para mim, eu me olho no espelho e não sou eu, é outro cara ali, sem você, não é possível que ele realmente exista, não é possível que ele um dia vá olhar nesse espelho para arrumar o cabelo e sair de casa sem você, que ele vá escovar os dentes nesse espelho e sorrir para outra pessoa, não parece real, parece um sonho, parece uma notícia tão estranha e inacreditável, aquele tipo de coisa que você nunca pensa que vai acontecer de verdade, e já aconteceu comigo um milhão de vezes, mas dessa vez eu pensei que fosse ser diferente, pensei que você fosse ser diferente, por um momento de ingenuidade eu pensei que fosse ser para sempre.

O que eu faço com as nossas mil fotos, com nossos objetos, o que eu faço com o visor do meu celular que não acende com a foto do seu cachorro, porque você não vai mais me ligar no meio da tarde, só pra perguntar se está tudo bem, o que eu faço com nossos lugares, com meu quarto, com meu carro, onde eu jogo todas essas lembranças, onde eu encontro paz, em que abraço as coisas vão ficar bem, como é que eu vou te devolver tudo isso, seus objetos, suas fotos, seus lugares, seus abraços, como é que isso vai ficar bem agora?

O avião caiu enquanto eu lia um livro, o prédio desabou enquanto eu tomava um café, estava tudo normal, estava tudo bem, agora não está mais, eu estou aqui debaixo dos escombros, tentando entender como aconteceu, o que causou o acidente, quando foi que as coisas começaram a dar errado, em que ponto foi o defeito, e como é que eu vou fazer para sair dessa de novo.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Raro


Fui a um café hoje e ele era todo decorado com objetos antigos - televisões, rádios, máquinas de escrever. Você deve conhecer vários lugares assim, nostálgicos, cheios de velharia que dão um toque superespecial ao ambiente. Tem também aquelas pessoas que colecionam carros antigos. E quadros velhos. E móveis da época dos bisa, tataravós. Objetos antigos são charmosos, mas principalmente caros. Ninguém fabrica mais um Bel Air, por exemplo, e é por isso que ele tem um valor tão alto: é um objeto raro.

Todos nós já ouvimos o ditado clichê de que só damos valor às coisas quando as perdemos. E eu me lembro de ter tido medo disso. Passei um bom tempo temendo o que estava por vir, com medo de ter que encarar a perda, lidar com a falta. E de fato acabei perdendo. Escapou pelos meus dedos como água, nunca mais voltou. Deixou um espaço, um eco, e também uma lição: nós sempre queremos mais da vida do que já temos. Queremos um relacionamento perfeito, sem erros, com uma pessoa sem defeitos. Queremos ganhar mais dinheiro, subir de cargo a qualquer custo. Somos loucos por mais: mais livros, mais amigos, mais momentos. Mas uma hora somos forçados a perceber que o que já temos é raro e que muitas vezes demorou para consegui-lo.

Querer mais é o que nos toca para frente, claro. Ninguém pode estar sempre satisfeito, ou pararíamos no tempo, envelheceríamos e morreríamos sem nunca ter lutado pelo melhor que a vida podia nos oferecer. É importante dar valor às coisas que podemos ter no futuro, mas... e as que você tem hoje? Quanto elas valem para você? Onde elas estão na sua lista de prioridades, e quanto você se esforça para desfrutá-las enquanto ainda as possui?

Seja grato pelo que você tem, e pelo tempo que ainda tem disponível. Isso significa que você tem possibilidades, e representa o que você é hoje, o resultado das suas lutas. É clichê, eu sei, mas não deixa de ser verdade: o valor das coisas aumenta quando nós não as temos mais.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O gato na caixa


Imagine que você tem uma caixa. Ela não é transparente, mas você sabe que dentro dela há um gato. Junto com o gato, um dispositivo que, se acionado, quebra um frasco de veneno, que mataria o bichinho. No entanto, o sistema pode não ser acionado, e o gato permaneceria vivo. Depois de algum tempo, o animal está, simultaneamente, vivo e morto.

Esse é um experimento de mecânica quântica conhecida como "o gato de Schrödinger" e eu, felizmente, ainda não cheguei a um nível tão grave de loucura a ponto de entendê-lo completamente, mas há uma linha desse experimento mental que vale a pena ser citado: a única forma de saber se o gato está vivo ou morto é abrindo a caixa, e fazendo isso, alteraremos todas as probabilidades do estado do gato.

Quem nunca se viu diante de situações em que a única maneira de mudar o curso do acaso seria tomando uma atitude, uma decisão? Podemos passar a vida nos perguntando o que há dentro da caixa, ou temendo o que há atrás da porta da sala, ou nos preocupando com o que pode acontecer se apenas tentássemos descobrir. Porque é bom quando as probabilidades de algo bom são tão boas quanto as possibilidades de algo ruim. Um namoro pode ou não dar certo. Um emprego pode trazer coisas boas, ou te fazer perder tempo. Uma ligação que você faz para alguém pode ser humilhante, ou... pode mudar sua vida. A dúvida, que é massacrante para alguns, pode ser uma dádiva para outros: ter ambas as possibilidades nas mãos é melhor do que ter apenas uma ruim revelada. "Ignorância é bênção."

Mas, uma hora, é preciso descobrir o que o acaso (ou seja lá como você queira chamar a força - física ou não - que nos coloca exatamente onde devemos estar) decidiu para nós. Rasgar o envelope, abrir a porta, discar o número, destapar a caixa. É assim que descobrimos quais são os resultados reais das nossas probabilidades, e quais delas são apenas teorias.

Um gato em uma caixa, um exame médico, o resultado de um vestibular, a resposta de uma pessoa. Somos todos experimentos do acaso, da incerteza, do universo quântico. Vivo ou morto? Sim ou não? Com ou sem? A única forma de saber é abrindo a caixa... ou seja lá o que esteja escondendo a resposta.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Futilidades


É, vai começar o Big Brother. Mas o pior nem é isso. O pior é a onda de revoltadinhos pseudointelectuais que surge nas redes sociais nessas épocas. São os mesmos que adoram esfregar na cara de todo mundo que são ateus, maconheiros, rebeldes. Não gostar de Big Brother é mais um atributo indispensável para pagar de cult nas redes sociais.  Afinal, Big Brother é fútil (palavra clássica!)

O curioso é que essas mesmas pessoas que exigem uma televisão aberta de qualidade raramente procuram tal programação. Por exemplo, pergunte a alguma delas o que passa na TV Cultura na hora do Big Brother (ou em qualquer outro horário). Ou, para as que têm acesso à TV a cabo, quantas vezes na semana elas assistem a documentários, programas culturais, noticiários? Quantas vezes no ano elas trocaram a balada cheia de gente fútil (olha só a palavrinha clássica aqui de novo) por um filme em casa, ou um livro? Se o Big Brother fosse tirado do ar para dar lugar a algum programa cultural, quantas dessas pessoas assistiriam? Pouquíssimas.

O Big Brother está longe de ser o único programa fútil da televisão. As novelas estão aí para não me deixar mentir. Sem contar os amantes do Casos de Família - não consigo ver diferença nenhuma: pessoas compartilhando seus problemas pessoais, na maior baixaria, com roteiros evidentemente combinados, para dar audiência à emissora. Qual a diferença? E futebol, então? As pessoas choram, torcem enlouquecidamente, se agridem, se matam, por um time de 11 jogadores (no BBB são 14, né?) que ganham milhões por mês às custas da audiência.

Não tem nada de errado com o Big Brother. É só mais um programa que visa lucro, e portanto audiência, e faz isso utilizando a proposta de entretenimento. Querendo ou não, é isso que a televisão oferece. No entanto, não é culpa das emissoras, mas da própria população que apoia e exige esse tipo de programação. Portanto, o Big Brother não é nada extraordinário, e não se difere em nada de programas que fazem o maior sucesso, com a maior naturalidade.

Como eu disse em uma postagem no Facebook, assistir é tão opcional quanto não assistir. Agora, quem assiste, briga, se descabela, e faz de um programa de televisão a razão da sua vida, o único assunto de que sabe falar nas rodas de amigos - ou pior, em locais mais sérios, como no trabalho - e acha que as redes sociais são blogs a respeito, aí são outros 500. Esse tipo de gente merece, sim, um pouquinho de esculhambação pública. Mas que fique claro que isso não te faz nem mais nem menos culto.

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