terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O Coelho na Cartola

Para M.

O ano que acaba hoje não foi muito grato com você. Também não foi comigo. Perdemos coisas, enfrentamos dificuldades, decepcionamos e fomos decepcionados. Tudo isso nos dá a ligeira sensação de que o ano não valeu nada, de que foi só um tapa-buraco em nossas existências, cheio de frustrações e tristeza.

Minha irmã postou algo esses dias no Facebook de que gostei muito. Dizia "A vida, apesar de bruta, é meio mágica. Dá sempre pra tirar um coelho da cartola". Desconheço a autoria da frase, mas foi, provavelmente, uma das coisas mais interessantes e verdadeiras que li em 2013. Dá sempre pra tirar um coelho da cartola da vida, em qualquer situação. Dá pra tirar aprendizado nos erros. Dá pra tirar força nas perdas. Dá pra tirar sentido no caos.

Quando estamos perdidos na escuridão, não nos damos conta de que o escuro é tão sensível que qualquer fonte de luz o rompe, o transforma. E é disso que eu gostaria de falar: da luz que a gente tira da cartola pra quebrar o escuro. Somos seres formados de moléculas que, por sua vez, são formadas por partículas minúsculas. E essas partículas são formadas de quê? De outras partículas, imensamente menores, ainda. E elas, são formadas de quê? De algo ainda menor. Somos profundos. Somos infinitos. Somos grandes, enormes e, ao mesmo tempo, somos minúsculos - somos partículas do infinito. Tão imensos quanto o nada. Logo, qualquer coisa pode nos preencher, qualquer lufada de ar, de vida, de felicidade, qualquer ponto de luz é capaz de acabar com nossa escuridão.

Desejo que teu ano novo seja assim, cheio de coelhos na cartola. Que você consiga encontrar formas de fazer a magia acontecer, para que eles saiam de lá. Que você encontre forças dentro de você, e jamais fora, porque é a única coisa realmente verdadeira que você tem: o que está dentro do seu infinito individual. Que as feridas se cicatrizem e deixem ali marcas de guerra que te façam lembrar: apesar de tudo, eu venci - eu aprendi com as perdas, eu enfrentei o medo, a tempestade, a fúria, o sofrimento, eu caí e me levantei, eu fui forte o bastante, eu venci. Que você amadureça nos pontos certos, mas que nunca perca essa criança doce, sorridente e sonhadora que vive dentro de você.

Lembre-se do que te disse um dia: o Universo é gigantesco, infinito (assim como nós, mas infinitamente maior do que nós). Nossos problemas, nossas dores, nossos medos são tão pequenos e breves quanto um pensamento - não são nada mais do que um suspiro no vácuo. Um dia, tudo isso passa. Um dia, a tempestade acaba. Um dia, a gente acorda e tá um sol maravilhoso lá fora. Um dia, não dói mais. A gente se olha no espelho, percebe que tem alguém ali tão diferente e, ao mesmo tempo, se reconhece, ainda que haja uma sutil divergência no reflexo: eu cresci.

Faça a mágica acontecer, tire coelhos de cartolas, tire proveito do imprevisto, tire força do seu infinito. Busque o que te faz bem, e encare isso que algumas pessoas chamam de destino e outras de acaso de frente. Não olhe para trás. Seja feliz. Seja grande. Seja infinito.

Feliz ano novo. Feliz você novo.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Erosão


É claro que o tempo passou. Fui tolo por pensar que não passaria. É o que o tempo faz, não é? Passa. Passa enquanto você dorme e enquanto você acorda encharcado de nostalgia; passa enquanto você se olha no espelho procurando os efeitos disso; passa enquanto você sente o medo, e a dor, e a paz. É claro que o tempo passaria.
Soube por fontes muito confiáveis que o tempo não passou só para mim. Passou, também, para todas aquelas pessoas que faziam parte da minha vida nesse mesmo dia, em um ano diferente. As paredes do shopping estão cheias de luzes e guirlandas, há um papai Noel gigantesco na porta, músicas natalinas tocando incansavelmente nos alto-falantes. Tudo isso dá a leve sensação de que tudo está igual como era antes, mas não está. É só uma ilusão. O tempo passou porque o papai Noel gigante está mais empoeirado e torto do que estava ano passado; porque as músicas natalinas que eu não conhecia, hoje sei de cor; porque algumas luzes estão queimadas e nada as fará acender de novo, em nenhum momento do tempo.

Deixei um chão lotado de bagunça por onde passei. Lá estão elas, jogadas até hoje: as falhas, as desistências, as frustrações. E eles: os abandonos, os medos, os gritos e os risos. Nada se moveu do lugar e, ao mesmo tempo, estão em constante órbita dentro e em volta disso que é meu ser. Por mais que eu tenha tentado me livrar disso tudo que me corrompe, que me corrói, não consigo: são vícios. De certa forma, somos viciados na dor, temos um prazer sádico em senti-la, somos dependentes físicos, químicos e psicológicos de tudo que desestabiliza nossa insustentável leveza.

Afinal, é o que nos forma, o que nos molda. É nos momentos de desespero que descobrimos nossa real força, até onde podemos ir, o quanto podemos lutar. São nossas falhas que nos ensinam, que clareiam nossos olhos, que fortalecem nossos músculos, que engrossam nossa pele. Não é a paz que erode uma rocha, mas a tempestade, as ondas vorazes, o vendaval furioso.

Quando olho para trás e vejo tudo isso, todo o caos, a febre, a vontade, o barulho e a confusão que causei, sei que, embora tenham me rendido várias cicatrizes, foi cada um desses passos que me trouxeram aqui, com a consciência que tenho, com os troféus imaginários que ganhei e escondi em algum lugar, com a deliciosa dor que costumo tomar de sobremesa. 

Tudo mudou e, em algum lugar do tempo, tudo permanece o mesmo. Ainda amo, ainda sinto, ainda acordo assombrado, gritando, implorando, remoendo. Mas me levanto da cama, olho o relógio, estou atrasado, corro. A nova versão da vida que me foi concedida não tolera tempo desperdiçado com esse tipo de coisa. De vez em quando eu paro para fumar um cigarro e ter uma pausa da realidade obrigatória da qual me forcei a participar, só para testar o tempo, só para ver se ele passava, mesmo, e passou, é claro que passou, estranho seria se não passasse. 

Depois olho em volta. Tudo está diferente. Mas o Natal está em todas as partes.

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