domingo, 16 de setembro de 2012

Respostas

Eu não queria saber de merda nenhuma do que você tinha pra me dizer, então eu simplesmente bati a porta do carro com tanta força que meu braço doeu, enfiei a chave no contato com um pouco de dificuldade por causa do nervosismo e antes que você pudesse abrir o portão e dizer algo que fosse me fazer ficar - algo que, mais uma vez, pela bilionésima vez, fosse me fazer ficar -, eu meti o pé no acelerador e fui embora da sua casa, deixando todas as minhas roupas, porque eu não queria elas de volta, eu não queria nada que algum dia eu fosse encarar e saber que esteve perto de você, já me bastava meu próprio rosto que eu teria que encarar na porra do espelho toda manhã, meu pescoço sem as marcas que você deixava as vezes, meu corpo idiota que você um dia disse que achava bonito, eu teria que conviver com todas essas coisas que um dia estiveram contigo, que um dia foram quase-suas, isso já era o bastante para mim, então aqui vai a primeira resposta para a mensagem que você me mandou depois, me perguntando centenas de coisas, foi por isso, Leo, que eu deixei as minhas roupas na sua casa e, respondendo à segunda pergunta, não, eu não pretendo pegá-las de volta.

A terceira indagação era sobre o tempo que ficamos juntos, e você é mesmo um ridículo por querer falar de tempo agora, justo você que me fez perder todo o meu precioso tempo, justo você que nunca tinha tempo pra mim, vir falar de tempo é, no mínimo, uma hipocrisia tão grande que mal cabe em nós dois. Mas, hipoteticamente falando, como se você realmente tivesse algum direito nesse mundo de me perguntar sobre o tempo - como se você realmente tivesse algum direito nesse mundo de me perguntar sobre alguma merda de coisa -, o tempo foi o maior culpado disso tudo, porque quando tudo começou você sabia, e eu sabia, EU SABIA, Leo, que não iria dar certo, nada disso iria funcionar porque nós dois estávamos vibrando em frequências tão diferentes que eram quase opostas, e quando eu pensei que finalmente a gente tinha chegado num ponto comum, foi exatamente neste instante do tempo que tudo veio abaixo, como aqueles programas científicos em que alguém consegue atingir a mesma frequência vibratória de uma taça de cristal e ela explode, foi assim com a gente também, foi assim que a gente explodiu, virou caquinhos de cristal sangrentos, foi assim que a gente se feriu: quando atingimos uma frequência em comum. Em comum, e não igual, é bom dizer. A gente nunca esteve na mesma sintonia. Aqui está minha resposta sobre o tempo: ele me fez ver isso.

Sobre culpa, também, você menciona culpa, mas como uma afirmação e não como pergunta, mas eu me reservo no direito de comentar: sim, eu sinto culpa. Porque eu não soube entender certos problemas seus, porque eu desejei morrer tantas vezes enquanto você tentava me arrancar um sorriso, porque eu deveria ter sido alguém melhor, eu deveria ter entrado em uma academia dez anos antes de te conhecer para te poupar de um corpo tão sem sal, eu deveria ter dormido mais para não ter olheiras tão grandes e crônicas, eu deveria ter continuado meu tratamento com antidepressivos e terapia para não ser tão pessimista, para não chorar tanto por motivos bobos, eu deveria ter estudado para estar em uma faculdade legal e ser qualquer coisa acima de um medíocre sem emprego e sem uma perspectiva concreta de vida, eu deveria ter lido menos comédias românticas e mais livros cult para ter ideias diferentes das que você está acostumado a ouvir, eu nunca deveria ter abandonado tantos empregos, eu deveria ter me dedicado mais a algum deles para ter dinheiro e um pouco mais de independência, eu sei, Leo, eu sinto culpa por tudo isso, sim, eu sinto culpa por ser assim, eu sinto culpa por não ter sido bom o bastante. É um comentário, uma confissão, não use isso contra mim.

Então você terminou a mensagem dizendo que tudo bem se era assim, se eu queria ir embora e não conversar mais com você e nunca mais olhar para esses teus olhos tão ridiculamente lindos pra caralho, tudo bem se eu não quisesse buscar minhas roupas e meus livros e minhas tintas, tudo bem se era pra ser assim, e você postou coisas no seu Facebook, fotos de festas, músicas que não falavam absolutamente nada sobre a gente, piadas que só você e seus amigos imaturos entenderiam, tudo para mostrar que não se importava, que sua vida continuou sem mim, que eu não estava fazendo a menor falta e que você poderia muito bem encontrar outra pessoa para ocupar o meu lugar na sua casa, na sua cama, você não está nem aí, eu sei, você vai seguir e eu não fui nada, eu sei. Você está mentindo para mim e para você mesmo, eu sei.

Eu sei, Leo, eu sei que ninguém nunca vai fazer as loucuras que eu fiz por você, ninguém nunca vai abrir mão de tanta coisa, ninguém nunca vai torrar tanta grana com você como eu torrei, ninguém vai te surpreender com coisas tão pequenas, ninguém nunca vai ser o que eu fui, eu sei que você sabe disso porque eu sei disso, e eu costumo ter dúvidas sobre as coisas, mas quando eu sei de uma coisa, eu sei, da mesma forma que eu sabia que eu nunca deveria ter te visto pela segunda vez, da mesma forma que eu sabia que te amava, da mesma forma que eu sabia exatamente o que iria escutar se não tivesse acelerado o carro antes de te dar a chance de falar, eu sei disso tudo da mesma forma que sei que se você tivesse me pedido para ficar, eu teria ficado, e que se você aparecer aqui agora, eu vou abrir mão de mais um monte de coisa por você de novo e vou acreditar quando você disser que me ama de novo, eu sei, eu sei de muita coisa, Leo, mas se tem uma coisa que eu nunca soube e que eu nunca vou saber é como esquecer de você. E essa é a resposta para o seu "a gente se vê um dia". Não. Por favor, não apareça. Porque vai ser difícil te deixar ir de novo.

Queime as minhas roupas,
Fred.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Não falta


Vontade não falta. De mudar as coisas, de entrar em outra frequência, de tirar todos os móveis do lugar e pintar as paredes de branco pra poder preenchê-las com enfeites de cores vivas. Vontade não falta de pegar um carro e passar por mil lugares estranhos e afáveis. De beber e não ter pressa. De desligar o celular sem me preocupar com "e se ele ligar?" Vontade não falta de jogar tudo pro alto, dar adeus às velhas dores, encontrar motivos bons. Vontade não falta de deitar em uma cama que nem é minha, sentindo o calor de um corpo que não é meu mas que decidiu ser, nem que por algumas horas e saber: vontade não falta de estar ali. Vontade não falta. De me apaixonar e valer a pena. De me libertar das minhas prisões mentais. Vontade não falta. Falta força, só.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Fly away, breakaway


Há algumas espécies de pássaros que migram, todos os anos, para lugares mais quentes quando o inverno chega. É intrigante e ninguém sabe dizer ao certo como eles sabem para onde ir, mas assim que os primeiros sinais de frio começam a aparecer, um pássaro decide levantar voo, e então o bando inteiro o segue.

É uma lei de sobrevivência, não só para os pássaros que migram, mas para todo ser vivo de sangue quente: buscar calor. Quando fica frio, quando um inverno se instala, quando é impossível aguentar o vazio e o gelo de uma estação, é o que fazemos para continuar a viver.

Como sabemos para onde ir? Como esses pássaros fazem para encontrar o lugar exato, todo ano? Qual é o segredo da busca? Não pode ser apenas instinto. É o que você sente dentro que te move para o lugar certo. O frio que você sente te leva para o calor que você procura. Talvez seja assim com os pássaros, também. Magnetismo e força vital.

O que nos diferencia dos pássaros, além das características óbvias, é que nós não estamos em bando. Cada um de nós sabe o momento exato de alçar voo. Cada pessoa tem que decidir sozinha quando o frio deixa de ser agradável e se torna mortal. Somos pássaros solitários e essa é a parte mais difícil das nossas migrações: no momento em que você decide abrir as asas, você está voando sozinho.

Visitas