quinta-feira, 31 de maio de 2012

Sem o ar pra respirar


Quanto tempo alguém pode ficar sem respirar? Li em algum lugar que, com muita prática, a média é de três minutos, embora existam recordistas no mundo que já ficaram mais de dez minutos sem nenhuma molécula de oxigênio entrando em seus pulmões. Parece loucura, parece insuportável. A gente perde o fôlego só de imaginar.

Eu consegui por dois minutos e cinquenta e três segundos. O tempo de uma ligação. Depois de passar a manhã inteira ensaiando na frente do espelho tudo o que eu tinha pra dizer, chegando à conclusão de que eu não ia lembrar de metade e, então resolvendo escrever, coloquei tudo no papel, com caneta vermelha para me lembrar das partes importantes, e de repente era uma folha inteira ensanguentada, com palavras inflamadas tiradas do fundo do organismo de alguém...

Tudo pronto. Celular na mão, disquei o número, tão familiar, consigo repeti-lo como uma canção de ninar, oito um cinco cinco, parece que eu conheço esse número desde o útero, que antes mesmo de abrir os olhos eu já tinha aquela sequência de oito dígitos gravada no meu subconsciente... O botão verde ali, poucos milímetros abaixo do dedo, parecia quente demais, tocá-lo poderia causar uma queimadura grave. E foi aqui, neste exato momento, que eu tomei ar, prendi a respiração, e disquei.

Se chama seis vezes, cai na caixa postal. Chamou quatro e eu pensei em desligar, que bobagem, o que vai adiantar? Chamou cinco, e ele atendeu. Foi difícil, alguns segundos de silêncio, os primeiros sintomas da falta de ar - pontos pretos na vista, tontura, aquela pressão no peito - começaram a surgir. Eu só tinha mais dez minutos sozinho em casa. É agora, disse para mim mesmo, é agora ou nunca, fala. Fala tudo.

Eu não queria ter dito aquelas coisas, foi tudo da boca pra fora, aquela raiva era só um mecanismo de defesa pra que eu não sofresse, uma hora eu tive que encarar a verdade e a verdade é que sinto sua falta, sei que não é de uma hora para a outra, mas eu queria que fôssemos amigos, a vida é curta demais, não quero acordar daqui a dois anos sabendo que eu não fiz nada, que eu deixei as coisas como elas estavam, que eu perdi algo muito importante...


Nada de ar entrando em meus pulmões, só saindo, eu disparei tudo aquilo que estava preso dentro de mim por cinco meses, eu falei tudo, eu vomitei as palavras, eu emagreci mil quilos, eu desdei todos os nós dos meus nervos, eu perdi todo o sangue e repus, a vista ficou preta, eu quase desmaiei, eu quase caí. Mas eu falei tudo que estava preso, sugando meu sangue, consumindo minha energia vital.

Só isso?
Só.
Então tá... tchau.


E eu voltei a respirar, dois minutos e cinquenta e três segundos depois. Mas por algum motivo ainda estou sem fôlego. A gente tem que lutar por algumas coisas, a gente tem que ser a gente mesmo, a gente tem que prender a respiração e mergulhar fundo e nadar até não conseguir mais mover os braços, se a gente quiser chegar em algum lugar.

Mas... às vezes, a gente deveria deixar as coisas como elas estão, pelo nosso próprio bem, pela nossa própria saúde, pelo valor do ar que a gente inspira... e expira.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Escrevi e mandei


Sabe aquela história do "escrevi mas não mandei"? Aquela mensagem que fica gritando no fundo do seu cérebro enquanto você tenta fazer outras coisas mais úteis e você a digita para se livrar dela, mas não manda de fato, para evitar o turbilhão de consequências que ela pode desencadear? Bom, digamos que eu mandei.

Não vou dizer que mandei aquela mensagem despretensiosamente, só por mandar. A gente não faz uma coisa dessas, não se desafia assim, não injeta mais adrenalina no sangue do que acha que pode produzir, não se joga de cabeça na água gelada, se a gente não achar que vai valer a pena, que a gente vai ter uma resposta positiva e que tudo ficará bem. Existe esse sentimento estúpido e delicioso, como uma rebeldia da alma: a esperança. Esse buraco microscópico no muro que deixa uma frestinha de luz entrar. A esperança é esse pequeno empurrãozinho... esse MALDITO empurrãozinho que faz você rolar ladeira abaixo e se quebrar todo.

A mensagem era simples, no geral. Nada meloso demais, nada depressivo demais. "Me liga se quiser sair pra conversar um dia, não quero mais essa mágoa entre a gente, sinto falta da sua amizade mas não vou mais te procurar porque não quero ser insistente, então tá na sua mão." Mais ou menos isso.

A gente tenta, eu sei, todo mundo já passou por isso. Todo mundo já se sentiu a ponto de explodir se não fizesse algo, se não saísse da inércia por alguns minutos, do "deixa rolar", do "se for pra ser, será". Nada pode ser mais irritante do que isso, esperar que a vida, o Universo, Deus, Santo Antônio, a mãe Tereza ou, quem quer que seja, resolva sua vida, como se você não fosse o autor dela, o protagonista e diretor da sua própria existência. De vez em quando eu pego meu violão, desafinado mesmo, e começo a tocar acordes aleatórios só pra sentir que eu estou tirando música de algo, fazendo o ar vibrar e produzir algum som diferente do silêncio de costume, só pra ter certeza de que de vez em quando dá pra romper um ciclo de mesmice, nem que seja com um violão desafinado. De vez em quando eu pego meu celular e mando mensagens para ele, pra tentar quebrar essa parede imensa que ficou entre a gente por tão pouco, por coisas que foram ditas e feitas no momento do mais puro sofrimento e raiva.

Mandei essa mensagem e minha cabeça deu várias voltas. Toda vez que o celular vibra eu dou um pulo, saio do corpo, entro em alfa, meu coração pula uma batida, tudo isso na fração de segundos que antecede o ato triste de pegar o celular e ver que não foi ele. Nunca é ele. É sempre uma tela sensível ao toque - a mais insensível de todas - mostrando o horário pra me fazer lembrar que talvez seja tarde pra tentar algo que não deu certo nem quando tinha que dar, e o nível da bateria - um lembrete cruel de que minha paciência também está se esgotando.

Como eu queria poder mudar certas coisas, entender por que é que ele tem tanta resistência em falar comigo, mesmo eu não tendo feito nada demais, mesmo depois de tudo que a gente teve, e eu não tô falando de amor não, porque eu sei que amor acaba e deixa um rastro de sujeira pra trás, como um tsunami que chega de repente, assusta todo mundo, entra na vida das pessoas tirando tudo do lugar e depois vai embora, deixando dor e desordem por onde passa. Eu me refiro à amizade que a gente teve, mesmo. Àquela vez em que eu abracei ele no carro e chorei no ombro dele, com a cara enterrada na camiseta rosa com cheirinho de limpa, por um motivo que era só meu. Às nossas risadas e cumplicidade. À tanta coisa que ainda parece viva e nítida pra mim, mas que pelo jeito não tiveram tanto valor assim pra ele. Como eu queria poder entender isso: pra onde vão todas essas memórias e todos esses sentimentos? Como é possível alguém esquecer tudo isso, vomitar tudo, fingir tão bem que nunca aconteceu que de fato deixa de existir no tempo? Como pode algo continuar tão vivo dentro de mim, como uma estrela que não tem a menor intenção de explodir, enquanto pra ele ficou tudo em um universo paralelo que implodiu e se transformou em uma rocha cinza, fria, do tamanho de um grão de areia?

Até agora eu não obtive nenhuma resposta. Nem dessas perguntas, nem da mensagem que eu mandei. Mas a mensagem que eu gostaria de deixar no final deste texto não é pessimista. O que eu realmente gostaria de dizer pra todo mundo que está lendo isso aqui, e que escreve mas não manda, é: mande! Arrisque até sua última ficha. Se tem algo gritando no fundo do seu cérebro, significa que precisa ser dito ou feito o quanto antes.

Às vezes a resposta não é a esperada. Às vezes sequer existe uma resposta. E dói - o silêncio, a tela com o horário e o nível da bateria, o desprezo. A indiferença. É como um daqueles sonhos em que você quer correr e gritar mas não consegue sair do lugar, por mais que mova suas pernas, e nem emitir sons, mesmo que seus pulmões estejam quase explodindo por tentar gritar. A indiferença sufoca, desespera, "claustrofoba", dói. Dói.

Mas, se você não fizer nada, algum dia vai descobrir que ficar parado e não saber como teria sido se... (e esse "se..." deixa muita gente louca), dói mais ainda.

sábado, 26 de maio de 2012

Borboletas Mortas



Quando você foi, daquela maneira tão triste e violenta, ficou um vazio. Eu tive que te arrancar de dentro de mim com tanta força, que um pedaço meu foi junto. Eu virei pedra.

Eu aprendi a guardar certas coisas dentro de mim, bem lá no fundo, onde ninguém consegue ver ou tocar, a jogar no lado seguro da vida, a ser feliz com o que eu tenho hoje e não com memórias velhas de coisas que nem aconteceram, coisas que eu criei em minha mente um dia para fingir que tudo estava bem. Eu me tornei maior, mais forte e mais sóbrio. Às vezes um pouco mais sério e frio do que eu gostaria, mas são só os efeitos colaterais de se enterrar dentro de si mesmo.

Só que, de vez em quando, você aparece nos meus sonhos, os transforma em pesadelos, e eu não posso dizer com certeza mas acho que eu paro de respirar por alguns segundos na minha cama, porque eu sempre acordo com essa pressão enorme no peito e essa sensação de afogamento. É possível se afogar dentro da gente? Eu te enterrei na parte mais escura da minha memória, no inconsciente, no outra-vida-outro-lugar, mas de vez em quando você teima em aparecer, em mostrar teu rosto - todos esses traços incoerentes e exóticos e lindos - que eu tenho lutado tanto pra esquecer. Mas esses sonhos nunca são bons, eles duram uma eternidade, um filme inteiro, um romance ruim de mil páginas, têm começo-meio-e-fim, e geralmente acabam com você me traindo e eu volto a experimentar aquela sensação horrível de ter alguém esmagando seu coração com os dedos.

Por sua causa, eu aprendi a boicotar meus sentimentos. Aprendi a me distanciar de tudo aquilo que pode me tocar mais profundamente do que na pele. A evitar mudanças súbitas de temperatura interna. Matei todas as borboletas no meu estômago. Aprendi a fechar os olhos quando descubro que o rosto de alguém consegue provocar mudanças climáticas tão grandes dentro de mim que preocupariam o Greenpeace.

Eu só não aprendi, até hoje, a lidar com toda essa bagunça que você deixou dentro e fora de mim.



Mas em toda a história, é nossa obrigação
Saber seguir em frente, seja lá qual direção.
Eu sei. 
(Assinado Eu - Tiê)


sexta-feira, 11 de maio de 2012

Poeira

Eram duas horas da tarde de um dia útil quando o telefone vibrou sobre a mesinha, tocando aquela música de que tanto gosto, e eu não prestei muita atenção no número de algum telefone fixo que o visor exibia, antes de atender.
A voz entrou e fez várias curvas no meu cérebro, tentando encontrar um nome, um rosto, algo que me fizesse saber de quem vinha aquele alô, tão familiar e tão estranho, como se viesse de outra vida, de outro planeta, em outra galáxia, em algum universo paralelo e impossível.

O tempo é uma coisa engraçada. Nada nem ninguém pode pará-lo, a gente tem que aceitar isso, e de repente uma voz consegue parar seu tempo em uma fração de segundos tão grande que você mal consegue respirar. A poeira dançando na luz que entra pela janela congela, e você se pergunta se o resto do mundo também sentiu essa freada brusca, esse tranco, essa sensação de ter caído em um completo vácuo e tentar gritar mas saber que sua voz não vai se propagar no nada por mais que você tente emitir algum som, algum pedido de socorro, algum pedido de perdão.

Tudo por uma simples voz, vinda de algum lugar do tempo em que você não pode mais estar, nunca mais poderá, porque é assim que as coisas são, a gente deixa muita coisa pra trás e depois fica se perguntando em qual ponto exato desta linha de tempo a gente deixou tudo cair das nossas mãos, tão fracas, tão brancas, tão cansadas de tentar se segurar a uma linha fina e cortante.

Que força é essa capaz de tirar a gente da gente, de fazer a mente morrer e nascer em tão pouco tempo, que força é essa que muda o magnetismo dos nossos polos, faz a gente perder o Norte, faz o chão estremecer e abrir-se em um buraco negro que suga a gente para tão longe e depois cospe a gente com tanta violência para o agora, para a realidade, para as duas horas da tarde de um dia útil de maio, que força é essa que abre páginas e queima capítulos, que faz a gente querer ser minúsculo, do tamanho de um grão de poeira dançante que agora está parado, e que se transforma em um desejo de ser enorme, do tamanho do mundo, que agora está parado também... que força é essa?

Como um suspiro de quem suga a vida de volta pra dentro, com tanta ânsia, com tanta sede, o mundo voltou a girar, bem devagar como quem está acordando, retomando a consciência, aquela fração de segundo empoeirada e anestésica se desmancha e a poeira retoma seu curso em direção a quê, afinal? Tudo se reconstitui, era uma voz, era apenas uma voz, de um garoto, em uma galáxia empoeirada e distante.

As coisas que a gente mais quer mudar são exatamente aquelas que serão sempre as mesmas.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Debaixo da Pele

Quando você quer algo com tanta intensidade que dói e, de repente, você o perde. Quando você ama com tanta força que se cansa, e então se decepciona. Quando aquilo que você mais precisa é exatamente aquilo que te destrói aos poucos. Ninguém nos disse como lidar com isso. Mas a verdade é que estamos expostos a vários tipos de danos, o tempo todo, durante toda a vida. Podemos nos cortar ou nos queimar. Corremos o risco de perder nossos sentidos. Alguns de nós ficam loucos. Nossa mente tem uma conexão direta com nossa pele e ferir-se é consequência de estar vivo - nem mesmo o mais forte de nós está isento disso.

O problema é que quanto maior for uma ferida, quanto mais dor ela causar, maior a nossa vontade de escondê-la. Não queremos aceitar, então a escondemos, apesar da dor que mal nos deixa dormir à noite, apesar da energia que ela consome, fingimos que ela não existe. E ela dói, e sangra e uma hora a gente não consegue mais suportar. Por mais escondidos que estejam alguns cortes, mais cedo ou mais tarde será impossível disfarçar.

Passamos tempo demais negando uma ferida e enquanto isso ela inflama. Todos os nossos valores são esquecidos e a gente profere palavras pontiagudas, incendiamos lugares mentalmente, desejamos a morte, desejamos morrer. É o efeito colateral de toda ferida que não foi permitida curar-se: ardemos em febre e deliramos as vinganças mais diabólicas. Queremos ferir de volta, expor a nossa dor para o mundo inteiro ver e unir-se a nós contra quem nos feriu.

Demora para que a gente perceba que algumas feridas não irão se curar sozinhas, e que só dependem da gente. Escondê-las é adiar o inevitável: uma hora será necessário encará-las. Porque você pode fingir que elas não existem por quanto tempo achar necessário, negá-las para si mesmo e para o resto do mundo. Mas quando você pensar que elas se curaram e que são apenas cicatrizes, descobrirá que ainda estão ali.

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