sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Antigravidade


Eu pensei que soubesse lidar com isso. Com as dificuldades existentes e tangíveis; com as adversidades colocadas pelo destino; com os limites impostos pelas circunstâncias; com a geografia que não aprendemos em nenhuma instituição de ensino. Eu estava errado. Eu não sei.

Você pousou em mim como um astronauta, e eu perdi minha gravidade, de repente você era o Sol, eu estava em órbita ao seu redor, um Sol quente e distante, e eu desafiaria essa nova gravidade se soubesse que você iria me segurar, que não iria me deixar cair no universo escuro e infinito até colidir com algum corpo que não é o seu. Eu estava errado. Você não vai.

A galáxia se condensa e se contrai como um pulmão. Sinto a densidade dos dias pressionando minhas células. Meu coração bate devagar, embora minha respiração seja ofegante por tentar correr contra o tempo, contra o espaço, desafiando leis físicas milenares. Há um grito preso em minha garganta que não se propagará no vácuo. Pensei que fosse forte o bastante, que meus olhos pudessem enxergar além disso tudo, que o veneno das horas não fosse me infectar. Eu estava errado. Não sou.

Dissolvo um pouco dessa realidade em um copo d'água e bebo fazendo careta, porque é intragável. Não posso mais flertar com o impossível, procurando por uma brecha, como um hacker procura uma falha em um código de programação. A vida é mais complexa do que isso. A correnteza escura me puxa e, finalmente, me deixo levar por ela. Está em suas mãos. O Sol é seu. A gravidade é sua. Você decide.

Nossas memórias são poucas, mas nutritivas para os medos que alimento todos os dias.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Insônia

Já percebestes que não mudastes? Que continuas o mesmo? Que só mudaram as horas, o vento, o tempo, que choveu e molhou e secou, que abriu Sol e a menina que andava de bicicleta na rua caiu e se machucou e se levantou e se remediou e sarou, que os prédios abrem suas portas todas as manhãs quase no mesmo horário, que as pessoas vivem suas vidas, fazem suas compras, andam em seus carros, têm seus filhos, divorciam-se, casam-se, viúvam-se, encontram o amor de suas vidas em uma esquina machucada pelo tempo, que o cachorro andando na rua não tem dono, nunca teve, que os fiéis pedem a Deus algo que não sabem ao certo se querem mesmo ter, que as farmácias vendem remédios milagrosos para a cura da tristeza e que, no final das contas, eles só causam mais tristeza, assim como as receitas milagrosas vendidas pelas revistas e pelos jornais e pelos televisores ligados em casas de famílias na hora do jantar, forçando o pai, a mãe e os filhos a acreditarem em um modelo inexistente, que os livros têm páginas defeituosas, gramática mal digerida, histórias mal contadas, caracteres mal impressos, que o som é uma ilusão de ótica, que as leis nunca serão todas cumpridas, que a sopa esfria no prato de uma criança que se empanturrou de doces antes do jantar, que alguém está gritando em algum lugar do mundo, que ninguém vai ouvir, que telefones tocam solitários sem ninguém do outro lado da linha, que mensagens nunca chegam, que cartas extraviam, que os trens emitem ruídos para o infinito, que o infinito está lotado de estrelas que poluem o vazio, que as letras são meras construções de pequenos pontinhos de nada, que a tecnologia mal existe, que os dedos das mãos nunca tocarão o céu, que o mundo gira sempre do mesmo jeito, e que nada mudastes, que tu não mudastes, que eres o mesmo que eras há eras, que tudo é tão efêmero quanto eterno, já percebestes isso?

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Oceano

Como atrito segurando a fluência dos dias, te guardo em uma parte segura da minha memória. Então estamos aqui, rodeados por bilhões de estrelas em um universo efêmero que um dia desaparecerá. Como ele, desaparecerá o verão. Com o verão, irão embora as cores. Mas, neste momento, que pode ter durado tanto uma eternidade paradoxal quanto a velocidade de um pensamento bom, há a música rápida, em contraste com seus lábios lentos, tímidos, finos como a linha que separa o certo do errado, o lúcido do insano, o medo de todo o resto - uma linha que vale a pena cruzar. Há, também, o escuro do espaço. As luzes oscilantes revelando suas cores e as minhas e, de repente, o universo tem todas elas e mais um milhão que meus olhos não enxergam por causa dos seus.

Cabe um punhado de horas em seus olhos, profundos como o oceano. Há vida dentro deles. Há peixes buscando algo. Há areias finas e macias firmando um universo infinito de palavras, toques, sensações. E, ao mesmo tempo, eles são tão pequenos... Como se confessassem algo, e eu não desvendei sua mensagem, codificada em um bilhão de sílabas e átomos, porque você é pura linguagem e química e tudo que há em consequência dessa combinação. Há um porto, há um farol. Nada é mais convidativo do que seus olhos. Então, a âncora está prestes a ser lançada, a fincar o desconhecido, o que eu não fazia ideia de que existia até pouco tempo atrás.

Mas o tempo perdeu seu trilho, colidiu com a noite, explodiu em estrelas. Estrelas. Lembro-me delas e de tudo que desaparecerá, do verão finito, do universo finito, do porto de chegada e partida em seus olhos. Entendendo isso, como uma criança que aprendeu a subtrair números de horas, puxo a âncora e deixo que o navio em meu peito vague pelas ondas do seu oceano. Um dia partiremos.

Junto o tempo fragmentado em estrelas em um pote transparente e o guardo junto a você. Posso observá-lo quando quiser. Enquanto houver estrelas, haverá o tempo. Enquanto houver tempo, haverá você.

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