terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Insônia

Já percebestes que não mudastes? Que continuas o mesmo? Que só mudaram as horas, o vento, o tempo, que choveu e molhou e secou, que abriu Sol e a menina que andava de bicicleta na rua caiu e se machucou e se levantou e se remediou e sarou, que os prédios abrem suas portas todas as manhãs quase no mesmo horário, que as pessoas vivem suas vidas, fazem suas compras, andam em seus carros, têm seus filhos, divorciam-se, casam-se, viúvam-se, encontram o amor de suas vidas em uma esquina machucada pelo tempo, que o cachorro andando na rua não tem dono, nunca teve, que os fiéis pedem a Deus algo que não sabem ao certo se querem mesmo ter, que as farmácias vendem remédios milagrosos para a cura da tristeza e que, no final das contas, eles só causam mais tristeza, assim como as receitas milagrosas vendidas pelas revistas e pelos jornais e pelos televisores ligados em casas de famílias na hora do jantar, forçando o pai, a mãe e os filhos a acreditarem em um modelo inexistente, que os livros têm páginas defeituosas, gramática mal digerida, histórias mal contadas, caracteres mal impressos, que o som é uma ilusão de ótica, que as leis nunca serão todas cumpridas, que a sopa esfria no prato de uma criança que se empanturrou de doces antes do jantar, que alguém está gritando em algum lugar do mundo, que ninguém vai ouvir, que telefones tocam solitários sem ninguém do outro lado da linha, que mensagens nunca chegam, que cartas extraviam, que os trens emitem ruídos para o infinito, que o infinito está lotado de estrelas que poluem o vazio, que as letras são meras construções de pequenos pontinhos de nada, que a tecnologia mal existe, que os dedos das mãos nunca tocarão o céu, que o mundo gira sempre do mesmo jeito, e que nada mudastes, que tu não mudastes, que eres o mesmo que eras há eras, que tudo é tão efêmero quanto eterno, já percebestes isso?

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