quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Atrás das grades


Seu primeiro habitat natural foi um berço rodeado de grades para que você não caísse durante a noite e se machucasse. Depois disso, veio a escola - um lugar no qual você passava seis horas por dia preso, acorrentado a uma cadeira, ouvindo outra pessoa ditar quais eram as coisas que você deveria fazer para ser bem-sucedido quando crescesse e, automaticamente, feliz. Você sobreviveu ao ensino médio e é provável que hoje passe horas dos seus dias ainda preso: dentro de uma sala na universidade ou em alguma empresa. E, nas horas vagas, nos sentamos diante de telas que nos passam uma mensagem extremamente clichê: a felicidade está dentro de um relacionamento amoroso. Teoricamente, só assim poderemos ser felizes para sempre.

Segurança. Sucesso. Felicidade. Amor. Estamos sempre procurando todas essas coisas, parece ser o objetivo principal das nossas vidas desde que nascemos. Por isso, nos colocam em berços, em escolas, diante de filmes e de livros que nos enfiam goela abaixo grandes mentiras. O resultado disso não poderia ser mais desastroso: nenhum de nós está feliz em hipótese alguma.

Porque o berço te fazia gritar para sair dele. A escola era um tédio. O escritório é um campo de guerra. E o amor, ah, o amor... Ninguém quer viver sem ele. Ninguém quer acordar um dia e descobrir que está sozinho, que não haverá uma mensagem de "bom dia" esperando na tela do celular, que o ingresso do cinema vai ser para uma pessoa só, que a virada do ano não vai ter beijo-da-sorte.

E quando finalmente encontramos alguém, enlouquecemos. Esquecemos completamente de quem somos. Moldamos uma vida ao redor daquela pessoa, fazemos planos para o futuro, acreditamos que há apenas um mundo para ser visto e conquistado. Você pode chamar isso de felicidade, mas se analisar profundamente, descobrirá que tem outro nome: medo. Estamos morrendo de medo da perda, do frio, das incertezas que um relacionamento traz.

Estamos morrendo de medo porque estamos presos. E, como um animal criado em cativeiro, talvez não saibamos sobreviver caso as grades caiam, caso precisemos encarar o mundo sozinhos, viver apenas da nossa própria companhia.

Talvez nunca estamos de fato felizes porque insistimos em procurar pela felicidade dentro de gaiolas: em anéis de compromisso, em carteiras assinadas, em resultados de vestibulares, em prisões disfarçadas de habitat natural. Olhe ao seu redor: nenhum ser preso dentro de uma jaula está feliz.

Há um momento na vida de todos nós em que é preciso aprender a caminhar com as próprias pernas. A honrar as asas que todos nós temos. E entender que o mundo é grande demais para aprisionar-se em partes tão pequenas dele. O céu é mais seguro que o chão. O voo é mais empolgante do que as correntes. E a liberdade é o único estado de espírito em que podemos ser quem somos de verdade.


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Previsão do Tempo

Se você fizer uma lista comparativa entre suas expectativas e suas realidades, se surpreenderá com um resultado cruel: as coisas nunca acontecem como as planejamos. Chove no dia da festa, sua calça rasga no caminho de um evento importante, um amor acaba quando você pensava que iria durar para sempre. A previsão do tempo anunciava chuva, mas não caiu uma gota. O relacionamento de quase dez anos de alguém que eu conheço acabou em um piscar de olhos. Situações promissoras na minha vida se provaram fiascos. Pessoas nas quais eu pensei que pudesse confiar mal lembram meu nome hoje. E eu sempre acordo na melhor parte de um sonho bom.

Isso significa que, no instante em que você delega algo para o acaso, suas chances de se decepcionar são enormes. Contamos com nossos planos, acreditamos que eles serão seguidos à risca, escrevemos o roteiro perfeito para nossas vidas. Mas nos esquecemos de adicionar o fator fundamental para tudo: o imprevisto. E a vida acontece em função dele.

E, no final das contas, quantos de nós temos um plano B ou C? Porque, e se você for pego de surpresa no meio do caminho, nas estradas desertas da vida, e depender apenas do que você tem na bagagem para se virar? E se você acordar um dia e descobrir que todos os seus planos foram levados pela enxurrada durante a noite? Você conseguiria sobreviver?

Praticamente nada nessa vida é garantido. As placas que insistimos em pintar com as direções certas muitas vezes estão mal posicionadas e nos levam a nada mais do que ruas sem saída e muros altos. Diante disso, é importante fazer o menor número de planos possível e, principalmente, moderar a velocidade com que seguimos em direção a eles para evitar o choque brusco.

É melhor aproveitar o que você tem enquanto você o tem, sem se preocupar com quanto tempo ainda terá, ou com que rumo aquilo irá tomar. Enquanto a tempestade não começa. Enquanto nada esteja rasgado. Enquanto seu coração ainda bate por aquilo. Porque, no momento em que as coisas se vão, elas se vão para sempre. E a única garantia que temos na vida é a de que hoje não vai durar muito tempo.

O que quer que aconteça

O que quer que aconteça, eu sempre vou me lembrar do seu sorriso. Das marcas das suas mãos que ficam no ar. Do cheiro que sai do seu pescoço e se imprime na minha pele. Do sol que nasceu e só nós dois estávamos olhando. Da sensação de estar em casa dentro de um abraço seu. Dos planetas alinhados dentro dos seus olhos. Da órbita que meu coração assumiu desde aquele dia.

A calma na tua voz sempre envenenará a minha loucura, o que quer que aconteça. O caos será uma linha reta e racional e o chão estará macio debaixo dos meus pés. Eu vou usar meu melhor sorriso, minha melhor voz, minha melhor tonalidade de aura. Nada vai me escurecer enquanto o tempo trouxer você.

Os dias passarão e eu me perguntarei se minhas palavras foram justas. O gosto na minha boca denunciará a sua presença. Os minutos sufocarão cada medo e cada fantasma. A leveza da sua pele amaciará todos os meus pesos. As letras se acumularão dentro de mim e, quando for demais, vazarão em forma de meias-verdades porque eu não sei te dizer tudo o que eu penso e sinto sem te assustar. Mas, o que quer que aconteça, eu encontrarei formas de te fazer ver.

Respiro profundamente quando me deito e sei que meus olhos se abrirão para um novo dia. Os mapas que eu andei traçando me trouxeram até aqui. As luzes que piscam nos faróis dos carros indicarão o caminho quando eu estiver perdido. Talvez você tenha que ir, talvez doa, talvez eu esteja me precipitando na beira do abismo. Mas, o que quer que aconteça, eu vou me lembrar de você.

O que eu quero que aconteça não está em minhas mãos, e eu vou presentear a vida com esse dilema. E, o que quer que ela decida, eu estarei aqui.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Cronômetro

O medo é a pior parte. De olhar para trás e para frente e ver apenas pássaros mortos no lugar de um céu habitado de cores. Jurei para mim que não estaria neste lugar de novo. Que não rolaria mais um segundo na cama por causa disso. Que não machucaria meus braços por causa do medo. Que respiraria fundo e diria aquelas coisas que eu disse para mim quando estava limpo, curado dessa dependência que eu acabei criando quando os primeiros olhos se abriram para os meus.

Mas minha cama está cheia de pedras e meu estômago rejeita qualquer tentativa de sustento físico. Aquela velha toxina somatizada volta a correr em minhas veias e não há medicina que me cure disso. Nem mesmo a mulher que eu pago para me ouvir todas as semanas tem uma resposta, e eu acredito que essa seja a pior das aflições: a falta de respostas, de propósitos, de explicações. A tela do celular está escura, o led que anuncia as respostas não pisca, e foram inventar essa bendita confirmação de que a pessoa sabe o que você tem a dizer, o que não passa de uma confirmação profunda e cruel do silêncio e do eco.

Um número incontável de estrelas passa pela minha cabeça diariamente, mesmo (e especialmente) quando eu não estou prestando atenção nelas. A lua que movimenta as marés ajuda a produzir o vento que refresca uma primavera tão abafada quanto as minhas palavras. A gravidade me puxa para o chão quando eu não estou esperando. O Sol nasce e se põe diariamente com a mesma indiferença que me assombra nas pessoas. E mesmo assim, mesmo sendo testemunha do movimento da vida e das voltas do mundo, nada me prova que o tempo não tenha voltado e parado, que as coisas mudaram mas não continuaram sendo exatamente iguais, que meu cérebro transforma a realidade em uma linha cronológica eficiente.

E quanto tempo eu tenho? Se o cronômetro que dedos maldosos acionaram no momento daquele primeiro beijo conta os minutos restantes para meu colapso, quantos segundos eu ainda tenho antes que o agora inevitável desastre aconteça novamente?

Eu pensei que a vida fosse uma cachoeira na qual você lança as coisas e elas nunca mais voltam. Mas, depois de tanta água fria batendo em minhas canelas, eu percebo que a vida é um oceano gigante e que as coisas têm essa mania revoltante de voltar para você depois que você as lança e, no momento em que você pensa que as tem, o oceano as puxa de volta.

Nada que vem de um mar de imprevistos pode ficar para sempre. E cada passo que você dá para tentar segurá-la é uma forma infalível de se afogar.

sábado, 1 de novembro de 2014

Fantasmas


Dormir nunca foi a tarefa mais fácil do mundo para mim e, embora hoje eu tenha motivos razoáveis para isso, quando eu era criança, minha insônia tinha a ver com meu medo de fantasmas. Eu ficava deitado imóvel, mesmo com o abajur aceso, e eles tomavam conta da minha imaginação. Era como se meu medo não fosse apenas medo, mas um tipo de expectativa: eu sabia que eles iriam aparecer a qualquer momento, e ficava apenas deitado, coberto até o último fio de cabelo, esperando por isso.

Eles demoraram um pouco para se manifestar. Não foi na noite em que eu tinha seis, oito ou doze anos que isso aconteceu. Foi alguns anos depois, quando eu já era grande demais para temê-los. Hoje eu tenho vinte e dois anos, e qual não é minha surpresa quando percebo que estou rodeado por eles?

Sem que eu tivesse tempo para me esconder, meus fantasmas apareceram em todas as partes. Nas fotografias que eu nem lembrava mais que existiam. Nas músicas que deixei de ouvir há algum tempo, mas que sempre voltam a tocar quando não estou esperando. Nas tatuagens que fiz em meu corpo - cada uma delas é um fantasma. Nos sonhos loucos que meu cérebro insiste em exibir em sessões especiais. Nos números de telefone que não consigo deixar de saber de cor. Nas vozes dentro da minha cabeça. No jeito que eu falo, que eu acabei aprendendo com alguém e nunca consegui desaprender. Na caixa que eu guardo e que está cheia deles, em forma de cartas, passagens de ônibus, ingressos de cinema e outros suvenires.

E, ao contrário do que eu imaginava naquelas noites há mais de uma década, esses fantasmas nada têm a ver com pessoas mortas. Hoje, com um discernimento consideravelmente maior, consigo entender que meus fantasmas estão vigorosamente vivos. São pessoas que ainda levantam-se de suas camas todos os dias, vão para a faculdade ou para o trabalho, eventualmente assistem a algum filme no cinema - de vez em quando, ao mesmo filme e na mesma sala que eu, embora em sessões diferentes. Tem algo mais fantasmagórico do que isso?

O que me assombra aos vinte e dois anos não é o fato de que os mortos podem retornar ao nosso mundo em formas azuladas e nebulosas, mas a possibilidade de que algumas pessoas vivas cruzem meus caminhos, em carne, osso e desprezo; de que elas sequer se lembrem do meu nome em alguns anos; de que suas vidas sigam sem mim; de que eu seja enterrado vivo por elas e não tenha o direito de assombrá-las depois, exigindo explicações, demandando atenção e lembrança.

Cada pessoa tem fantasmas que gostaria de exorcizar de sua vida, e aqueles pelos quais acaba criando respeito, amor e/ou obsessão. De qualquer forma, o problema é que não há oração, mantra ou simpatia que os mantenham longe de nós. Quem tem um coração batendo no peito carrega a predisposição a enxergar fantasmas. Pare por alguns segundos e olhe ao seu redor. Quantos deles você consegue ver?

Eu disse que minha insônia atualmente não tem nada a ver com fantasmas. E eu não poderia estar mais errado. A diferença é que agora eu não tenho que esperar: eles sempre aparecem. Altos e claros.

"Band-aids não curam ferimentos de balas
Você pediu desculpas só para constar
Você vive assim, você vive com fantasmas."
- 'Bad Blood' - Taylor Swift.

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