segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Fuga

Eu estava correndo o mais rápido que eu podia e meus pulmões
começariam a sangrar logo. Meus tênis eram um pouco velhos e gastos e cada impacto dos meus pés contra o chão era um choque elétrico de volta para meus ossos, mas eu não podia parar de correr. Eles estavam atrás de mim e sussurravam meu nome. Eu podia ouvir, mesmo estando longe. Eu teria rezado se acreditasse em uma força superior. Eu teria desistido se não tivesse algumas coisas para fazer antes de morrer.
Então eu continuei correndo, ignorando o suor em minha testa e o seco da minha garganta. E enquanto corria, buscava respostas no vento tricando em meu rosto, mas tudo o que encontrava era medo.
Eu não podia me render. Eu não podia simplesmente deixar que eles tomassem conta de mim, por mais que eu tivesse alguns motivos para deixar esse lugar.
Mas eu escorreguei no chão úmido e a voz se aproximou. De repente, era minha voz.
Então eu descobri que era mais cruel do que eu pensava. Eu percebi que estava fugindo de mim.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

No fim...

No fim você vai olhar ao seu redor e não haverá amor. Não haverá uma música de plano de fundo. Não haverá final feliz.
Você saberá que seus erros são importantes para o que vem, que quebrar a cara é saudável.
No fim tudo terá caído. Os prédios ao seu redor, as árvores terão secado, seus desenhos estarão desbotados e haverá um corte profundo em você, mas não haverá sangue. E você deverá ser forte para caminhar sobre as ruínas e encontrar um lugar para se curar dos golpes do tempo, dolorosos como espinhos.
No fim, você deverá sorrir, mesmo quando sua vontade é de chorar e se desmanchar em sal. Você deverá erguer os ombros, fingir-se de cego, mudo e surdo, e dizer para quem quer que pergunte que está tudo bem. E desistir. Desistir de algumas coisas, por mais que te digam que não se deve desistir das suas grandes vontades, no fim haverá um limite e você deverá desistir. Mas isso não é sinal de fraqueza: é preciso ser muito forte para desistir de algo que se quer muito. E então, começar novamente, construindo novos sonhos, acreditando em coisas mais concretas e tornando-se um adulto.
No fim, haverá apenas um caminho, um longo caminho para atravessar, grandes coisas para superar e pessoas novas que farão você parar de respirar por vários segundos. Haverá oportunidades novas, esperanças novas, pedaços novos de músicas desconhecidas, novos passos em direção àquilo que você não conhece, asas novas para poder voar para mais longe e procurar por luzes mais brilhantes.
E, no fim de tudo, talvez esse seja o seu final feliz.

sábado, 28 de novembro de 2009

O outro lado

Parecia o dia perfeito para morrer. O céu estava cinza e era claro que uma tempestade estava chegando. Uma tempestade naquela cidade! Essa era boa.
Ela relutou ao sair daquele bar quando ele a encontrou virando outro copo de vinho branco. Os amigos dela ficaram olhando ele dizer:
- Eu quero falar com você.
Talvez seja o efeito do álcool, pensou ela. Ele não é real. Não aqui, pedindo para falar comigo, depois de tudo o que fez três anos atrás.
Só se convenceu de que sim, ele era perfeitamente real, quando sentiu as mãos grandes e geladas dele tocando seu braço e puxando-a com força em direção ao seu carro. Como ele ousava? Mas ela preferiu não dizer nada. Estava, na verdade, grata por vê-lo de novo. Depois de tanto tempo.
De repente estava dentro do carro dele. Ele dirigia numa velocidade estranha que poderia muito bem ser lenta quanto rápida, mas ela não conseguia distinguir por causa das várias doses de álcool correndo em suas veias. As luzes passavam rápido pela janela e era tudo que ela poderia descrever se alguém perguntasse.
- Onde estamos indo?
Mas ele não disse nada, então ela sentiu medo. De repente, o carro parou.
- Você me deve quinhentos reais - disse ele.
- O quê?!
Só poderia ser brincadeira. Ele não poderia ter a cara de pau de voltar a procurá-la, três anos depois de a ter traído, para cobrar quinhentos reais.
- Quinhentos reais - repetiu. - Ou você não se lembra de ter quebrado meus móveis?
Bem, disso ela se lembrava. E se lembrava bem, se alguém quer saber.
Era maio e ela viu quando ele beijou a secretária em uma rua escondida. Sabia que não seria boa ideia seguí-lo com o carro, mas ali estava, vendo seu noivo beijar outra mulher. Então voltou ao seu apartamento - que também era dele. Fez suas malas, pegou tudo que era seu e quebrou tudo que não era. O sofá, a mesa, o rádio. De repente estava longe dali, deixando para trás apenas um bilhete. "Seja feliz com ela, filho da puta". Não sabia para onde ir. Simplesmente foi. Passou algumas noites em um hotel. Depois ligou para a irmã e se mudou para a casa dela, na capital. E ali estava ele, cobrando pelos móveis quebrados.
- Você está brincando, certo? Você me traiu, idiota! Você beijou a secretária! Não consegue ser mais clichê do que isso?!
Mas só percebeu que estava chorando quando as lágrimas começaram a entrar em sua boca, tornando o sabor amargo da raiva em puro sal.
- Agora dê a volta nesse carro e me leve de volta para o bar com meus amigos! Estava muito bem até você aparecer. - Mas era mentira. Nada a fazia mais feliz do que vê-lo, apesar da dor. Nem ela sabia da existência (e o tamanho) da sua saudade.
- Não vou embora até você ouvir tudo que eu tenho pra te dizer.
E isso mudava as coisas. Então ele tinha algo a dizer? Ele iria implorar por perdão? Iria dizer que errou? Ela tinha certeza que não iria perdoar. Que iria dizer tudo o que estava entalado, mandar ele ir catar coquinho e sair daquele carro estúpido como em uma cena de filme onde a mocinha supera tudo com um gran finale. Mas foi pega de surpresa.
- Você estragou tudo, sabe? Eu te amava, mas você se lembra o que me disse quando te convidei para sair no dia do nosso aniversário de namoro?
Ela ficou pensativa. Não se lembrava.
- Você me disse que estava cansada. E chateada comigo.
- Mas eu estava mesmo! Você se esqueceu que eu odeio coisas amarelas e me deu um vestido amarelo!
- Será que você não poderia ver o lado bom, o lado em que seu noivo idiota te comprou um presente? Então passamos a noite do nosso aniversário em casa, dormindo. Você na cama, eu no sofá. O vestido que eu te dei jogado no chão da sala, você chateada comigo e eu me sentindo o culpado.
- Mas você era o culpado!
- Sim, eu era mesmo! - de repente ele estava gritando. Tão atípico nele. Sua voz rouca nunca se elevava muitos decibéis. - Eu era o culpado de estar estragando a minha vida! De perder o meu tempo e o meu dinheiro comprando presentes para uma pessoa que o iria jogar no chão porque não gosta de amarelo.
- Olha aqui, caso você não se lembre, quem tem que estar com raiva aqui sou eu! Foi você quem me traiu, não eu.
E isso era demais para ele. Ela se fazendo de vítima, se achando a dona da razão.
- Você nunca demonstrou nada por mim - a voz dele ficando trêmula -, você sempre reclamava das coisas que eu fazia para você. Eu te amava, sabe? De repente a mulher que ia se casar comigo estava sentada no sofá, me ignorando porque tinha que estudar.
- Mas eu tinha mesmo! - protestou ela.
- Sim, eu sei que você tinha. Mas eu também deixava de fazer minhas coisas para ficar com você muitas vezes. E eu me senti como se você estivesse distante. Como se você não me amasse mais.
A chuva começou a batucar o teto do carro e foi o único barulho que se ouviu durante alguns minutos.
- Vocês ainda estão juntos? - ela perguntou. Quando viu, já tinha saído. Prometeu durante todos esses três anos que nunca demonstraria interesse. E lá estava ela, se traindo.
- Não. Foi só aquela vez. Sabe, ela começou a me tratar com carinho e... foi a minha última esperança. Eu tinha quase certeza de que você não me amava, mas não conseguia sentir nada por ninguém. E apesar de não ser nada intenso, eu senti uma leve atração por ela. Ela era a única que demonstrava carinho, ela se tornou você. E quando você foi embora, eu te liguei várias vezes, mas você desligava o celular. Eu me senti sem chão. Era você que eu amava. Era você que eu queria ver depois de cada dia difícil. E é você que eu amo até hoje.
Os olhos dele se encheram de lágrimas. Ela sentiu que ia desmaiar de pânico.
Então era isso. A culpa, afinal, era dela.
- Desculpe.
Não era para ser assim. Era para ele estar pedindo perdão, não ela. Mas o jogo havia virado. O reflexo no espelho de repente era o ser de carne e osso. O culpado de repente era a vítima e a vítima se transformou em uma bruxa.
- Eu sinto sua falta - disse ele. - Cada única noite.
- Eu também. Eu sinto... eu sinto tanta vergonha. Eu te amo. Me perdoe, por favor. Vamos fazer tudo de novo. Vamos voltar ao início e nos conhecer, como se ainda tivessemos dezessete anos.
Ele deu um beijo no rosto dela e sussurrou, entre lágrimas: "Muito prazer."
Só então ela conseguiu respirar direito, depois de todo esse tempo. A vida dá voltas. Há sempre a outra parte da história. A parte imperdoável que você só consegue superar quando conhece. Há o outro lado, o inesperável, aquele lado que dissolve todo o seu orgulho e as cenas de raiva que você projetou em sua cabeça. O lado que te conforta, que te aquece e que, para o equilíbrio das coisas, te dá uma segunda chance.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O doce ódio

Eu fico dando replay nas cenas em minha mente e nada parece ter acontecido de verdade. É só como se eu tivesse tido um sonho mau ou algo assim. A imagem tinha um tom cáqui, vocês estavam se movendo lentamente, a iluminação não estava como deveria estar e eu havia esquecido minha próxima fala.
Tudo que eu me lembro é que o mundo parou de girar. As gotas de chuva finas congelaram em meio ao nada, entre as nuvens negras e o chão úmido. Eu ri e, quando me virei, vocês não estavam mais, como se alguém tivesse editado a cena dentro da minha cabeça e então dado play novamente. Não havia trilha sonora, só um zumbido agudo em meus ouvidos. As gotas atingiram o chão e eu estava confuso.
É agora que eu acordo com aquela sensação estranha? Mas não era um sonho nem um filme. Era tudo real, por mais clichê que fosse.
Eu não quis acreditar, mas estava na minha frente. Eu só queria chegar perto e dizer: "Ei, é você mesmo? Aquela pessoa para quem eu contei tudo? A pessoa em quem eu confiei, é você que está aí dentro desse corpo feliz e aquecido, com esse brilho ridículo nos olhos e essa sensação nojenta de culpa?"
Eu não precisava perguntar. Era você. E você trocou tudo o que tínhamos por uma mera vontade. Você esqueceu tudo que nós dissemos, em uma questão de segundos. E agora eu estou chupando esse ódio como se fosse uma bala muito ardida que eu não posso cuspir, porque eu não consigo abrir minha boca nem para dizer o que estou sentindo agora. Eu quero te odiar. Eu deveria te odiar. Mas eu não te odeio.
Então, eu me odeio.

sábado, 24 de outubro de 2009

Sépia

São poucas horas em um mundo estranho e você é o Sol do meu sistema quebrado. Você está no centro e colore meu planeta com um tom sépia. Você seria o veneno doce que eu beberia até a última gota, mesmo sabendo que me mata cada vez que meu coração pulsa quando ouve seu nome em conversas aleatórias, e eu estou disposto a tentar pela última vez.
Estou apostando todos os meus minutos preciosos, toda a sanidade que você me roubou, todos os riscos de um desmoronamento mental, mas eu preciso de você nem que isso me custe caro.
Você desenha com lápis de cor sépia na minha memória e eu não te dei esse direito. Você me afunda em flores secas e eu acho que eu posso suportar por você. Mesmo que minha voz falhe quando pronuncio seu nome, mesmo que minha visão fique turva quando sinto seu cheiro, mesmo que meu coração pare de bater quando você vai embora, eu posso suportar por você.
E eu estou agora preso em um quarto cor-de-mundo-que-se-acabou enquanto você brinca no seu jardim de confusão e olha para minha janela como uma criança indefesa pedindo ajuda. E o pior de tudo isso é que eu estou disposto a te dar a mão e te pedir perdão caso eu te deixe escorregar.
Só te peço para me ouvir com cuidado. Há palavras que eu não posso dizer claramente pois não foram inventadas e você precisará destilá-las como o álcool que perfuma seu timbre e que me embriaga de longe. Não se vá como o pôr-do-sol sépia, pois de todas as loucuras que eu já disse, essa parece ser a mais intensa e também a mais verdadeira: preciso de você, ainda que isso me custe a vida.

domingo, 21 de junho de 2009

Sobre o tempo

Enquanto você se senta no canto da sua nostalgia, há um relógio tiquetaqueando, ecoando na grande e vazia sala da vida.
Há uma sombra ao seu lado, segurando seus pulsos com tanta força que você não consegue sentir, te puxando daquele canto frio e imundo. O tempo.
Enquanto você respira fundo e se pergunta o que fazer, há um tempo se acabando do lado de fora das suas preocupações. Há segundos intermináveis em palavras que não foram ditas, há horas quebradas nas suas desistências, há um grito de socorro congelado em sua garganta enquanto você perde o seu precioso tempo.
Você provavelmente não saberá como agir quando não houver mais escolhas. Você não terá mais escolhas quando não houver mais tempo.
E mesmo que você se deite, feche os olhos e reze suas preces com muita força, o tempo não vai voltar.
O tempo é algo engraçado para quem sabe embarcar em suas ondas - altas e ferozes. É um assassino cruel para quem não consegue decifrar sua importância.
O tempo passa. E você passa junto. Quando ele acabar, você vai acabar também. Ele não vai voltar. Você também não.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Cena

A luz se acendeu no palco da minha vida e você estrelou o papel principal. Eu era o cenário na minha própria história, a que eu escrevi para nós dois. Você não me viu ali.
No roteiro, seríamos felizes. Eu seria sua exceção, você seria minha última esperança. Mas eu vi as cenas caírem no chão como folhas secas quando a mocinha entrou em cena. Ela estava em seus braços. Ela era seu melhor hábito, o que você nasceu para seguir à risca, sem improviso, sem exceção. O foco estava em vocês dois. O cenário ficou sem luz.
Suas falas eram lindas e sua voz era doce como o vento sussurrando entre flores. Mas não eram para mim.
No final, o príncipe e a princesa viveram felizes para sempre. O cenário se apagou. As cortinas se fecharam.
Ninguém aplaudiu.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Inalcançável

"Se eu fechar meus olhos e pedir com muita força, quando eu abrí-los, você estará aqui do meu lado?"

Tem sido difícil e eu não sei por como começar. Tão pouco tempo e eu me vejo querendo tanto algo que está tão fora de alcance.
Você não vai olhar pra mim e eu sei que todas essas cenas que ficam rodando na minha cabeça são partes de um filme que eu mesmo inventei, mas que nunca será gravado de verdade.
Talvez essas palavras não façam sentido e eu não consiga colocar em palavras o que está me incomodando dentro de mim, até porque eu não sei o nome disso. Mas tudo que eu queria era não sentir vontade de chorar quando lembro do seu nome, e que meus olhos não varressem multidões em busca do seu rosto, ou que eu não passasse os dias me perguntando se você, de alguma maneira, pensa em mim antes de se deitar.
Porque eu sei que você não pensa, que quando eu ouço seu nome ele está sendo pronunciado por outra pessoa e que por mais que eu varra o mundo procurando seu rosto, ele vai me machucar cada vez que eu me atrever a olhar para ele, como pedaços de vidro quando são esmagados contra sua pele, ardendo e queimando qualquer vestígio de bem estar em seu sangue.
Então eu começo a entender que, mesmo que eu feche meus olhos e peça com muita força para que você esteja do meu lado algum dia, você não vai estar. E que se eu adormecer profundamente durante vários dias, quando eu abrir os olhos, você vai continuar sendo esse sonho idiota e inalcançável que, apesar de saber disso tudo, eu continuo sonhando cada segundo dos meus dias.
E isso está me sufocando e me matando aos poucos.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Escuro

Eu abri os olhos, mas não sabia onde estava. Havia uma água negra e densa como petróleo, na qual eu estava afundando. Não sabia ao certo onde ficava a superfície e sentia apenas a pressão.
Mas não fiz o menor esforço para sair de lá. Apenas deixei a gravidade agir em meu corpo, me puxando para o fundo, mesmo que meu corpo implorasse por um pouco de oxigênio.
Tentei fazer uma lista sobre o que me prendia acordado, ou vivo, mas não encontrei nenhum ítem que pudesse preenchê-la. Me sentia cansado, e era confortável estar ali, submerso no escuro, onde ninguém conseguia me ver e eu também não conseguia ver ninguém. Me lembrei das vezes em que eu quis correr sem parar, para qualquer direção, só pela sensação de estar indo cada vez mais longe e mais rápido. Então percebi que não precisava fazer tanto esforço. Eu estava indo para bem longe - e eu não sabia quão longe - e eu não precisei correr. Era mais fácil, mais lento e eu estava satisfeito por não saber onde ficava a superfície caso meus instintos naturais me obrigassem a nadar para cima.
Então eu vi uma luz refletida na água negra e percebi que eu não estava afundando, mas subindo. A gravidade estava agindo contra minha vontade e por mais que eu batesse os braços e as pernas para baixo, continuei subindo.
Quando cheguei à superfície, a luz se intensificou e eu acordei, me perguntando se vale a pena encontrar alguma superfície iluminada, ou se é melhor me deixar afundar nessa água negra e densa da minha vida, onde ninguém consegue me ver e eu não consigo ver ninguém.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Sonho

Acordei em um lugar onde eu provavelmente nunca estive antes. Não consciente, pelo menos. Parecia frio, embora eu não conseguisse sentir meu corpo. Eu via pessoas passando ao meu lado, mas elas não me viam, nem viam umas as outras, como se cada uma delas estivesse em uma dimensão diferente. Além delas, havia criaturas estranhas. Demônios e anjos, esferas de luz e de trevas.
Percebi que não precisava fazer muito esforço para conseguir andar. Era apenas desejar e meu corpo deslizava para frente, como uma folha levada pelo vento. Eu olhei para baixo. Meus pés não tocavam o chão, que refletia todas aquelas imagens ao meu redor, e não havia paredes.
Desejei voar e então pude ver tudo aquilo que ninguém pode ter visto um dia. Não havia casas. Apenas pessoas, de diferentes maneiras: deitadas em suas camas, conversando com outras ou sozinhas, sorrindo ou chorando.
Cheguei perto de uma senhora e notei que ela não conseguia me ver. Estava inexpressiva, seus olhos eram vítreos e algo me fez sentir que ela estava triste. Ao seu lado, havia um velho. Esse sim me via e parecia zangado com minha presença.
Uma força talvez mais potente do que mil gravidades me puxou para longe dali e eu não estava com vontade de ir mais a lugar algum. Fiquei no alto, flutuando como uma pena na superfície de um lago calmo.
Ouvi o som de uma respiração que parecia familiar. Segui o som e encontrei, deitado em uma cama, alguém que por acaso já avistara em alguns espelhos por aí. Eu estava dormindo, calmo. Inexpressivo também, e assim como a velha, havia uma energia triste e confusa sobre mim.
Meu corpo, ainda adormecido, sussurrou: "Onde está você?".
Me dei conta de que eu era apenas a alma que estava perdida em algum lugar, e meu corpo era apenas corpo, também perdido, afogado em um mar de tristeza e confusão.
Olhei em volta. Não vi ninguém.

sábado, 11 de abril de 2009

Mão

Eu sempre fui individualista. Aprendi a ler e a escrever sem que ninguém precisasse me ensinar, e nunca precisei das pessoas para me sentir bem. Na verdade, sempre gostei de ficar sozinho, e quem curava minhas dores emocionais era eu mesmo.
Nunca tive muitos amigos. Três ou quatro, no máximo. Nunca fui aquela pessoa da qual todos gostam na escola, nem aquele que todos conhecem e falam "Bom Dia". Sempre que algo estava mal, eu conversava comigo mesmo e os melhores conselhos que alguém poderia me dar eram os meus. Isso porque só quem está sentindo sabe como é, e as pessoas de fora costumam sempre falar a mesma coisa: que tudo vai ficar bem, que você deve pensar em coisas boas e esquecer aquilo que te faz mal. Como se fosse fácil assim. Então eu mesmo me dizia o que fazer, como fazer, o quanto fazer. Eu sabia a dosagem das palavras e não me culpava se sabia que na verdade não ia dar certo no final. E não dava, mesmo. Mas aí eu estava lá, para me apoiar e me fazer continuar a andar, mesmo quando tudo estava dando errado.
Então tudo ficou diferente. Eu comecei a perder minha voz interior, perdi meu amor-próprio e tudo ficou escuro sem meu eu por perto.
E agora eu preciso de ajuda.

domingo, 29 de março de 2009

Ressaca

Mais uma vez estou sozinho. E peço desculpas aos meus amigos e à minha família pelo termo "sozinho", mas vocês sabem o que eu quero dizer.
Estou com aquela sensação de que as coisas perderam o sentido, a cor.
Eu pensei que tivesse encontrado alguém que fosse me fazer feliz durante muito tempo, ou durante toda a vida. Mas eu estava errado, de novo.
Qual é o problema comigo? As pessoas simplesmente vão embora, como se eu não significasse nada para elas e eu fico aqui, como um idiota, chorando antes de dormir e ao acordar, xingando de hipócrita os personagens dos filmes românticos e me perguntando qual é o problema comigo.
E eu poderia vir aqui e dar um discurso contra o amor, como eu sempre faço, dizendo que o amor não existe e todas essas coisas idiotas que você, leitor, provavelmente não está a fim de ler. Mas eu não vou fazer isso, porque sei que em determinado momento da minha vida eu vou desmentir tudo, dizer que o amor existe sim e que eu encontrei o meu, para depois quebrar a cara de novo.
Estou me sentindo cansado. Se antes as coisas estavam ruins, agora elas estão péssimas.
O chão parece ter desaparecido, o ar parece ter acabado e eu tenho que fingir que estou bem, quando na verdade não estou.
E isso dói. Muito.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Queda

Eu acordei com a sensação de estar caindo. Mas quem nunca acordou assim?
Você dá um pulo na cama, se segura bem firme no colchão e sente um alívio ímpar quando percebe que estava apenas sonhando.
Então eu levantei da cama e dei de cara com a vida, me esperando ali fora do quarto, com as obrigações a serem cumpridas e uma vontade imensa de voltar para debaixo do cobertor e esquecer que existe mundo e tais obrigações.
Estou com medo. Uma mudança nos seus planos te leva a certas incertezas.
O plano perfeito era cursar jornalismo, mas surgiu uma nova opção e agora estou com medo. Até porque, acho que não estou fazendo o suficiente para quem quer passar em uma faculdade.
O ano começou bem, com lições em dia e hoje eu me vejo decaindo de novo e mesmo tendo consciência disso, alguma coisa me faz continuar a fugir das coisas. Covardia.
Fica difícil quando você sabe que algo está errado, sabe o que está errado, mas não sabe o que fazer para mudar isso dentro de você. Já dizia algum filósofo que não há nada mais difícil do que desafiar você mesmo.
Então você tem um monte de coisas para pensar, para tentar mudar, e surge uma novidade para você pesar os prós e os contras, abalando toda a estrutura daquilo que você considerava "o plano perfeito".
Às vezes sinto como se eu estivesse caindo. E decaindo em tudo aquilo que eu consegui melhorar. E fico esperando a hora em que eu vou acordar, segurar firme nas bordas da cama e sentir um imenso alívio por ter sido apenas um sonho.

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