quinta-feira, 28 de março de 2013

Incompleto


Eu estava sentado em um banco, próximo à biblioteca da faculdade, esperando dar o horário de uma prova enquanto dava uma última revisada na matéria sobre protozoários, esponjas e outros detalhes que cairiam nela. Foi quando duas garotas passaram perto de mim, provavelmente indo almoçar, e depois de compartilharem um silêncio pensativo, uma delas perguntou à outra: "Às vezes não te parece que falta alguma coisa?", e a outra respondeu "Sempre." As duas riram e seguiram seus caminhos em direção ao portão, e os protozoários já eram. Fiquei olhando para um ponto e perguntando para mim mesmo: "Não te parece que falta alguma coisa?"

Nunca estaremos completos e talvez seja isso que nos faz continuar vivendo: a busca. O que te faz sair de casa todos os dias, encarar um mundo difícil, se arriscar? Por que você comete a enorme loucura de se apaixonar por alguém, de aceitar dividir todos os seus pensamentos, esforços e sentimentos com outro ser humano? O que faz com que nos joguemos de cabeça nas coisas sem avaliar as consequências, o que nos deixa tão cegos? O vazio, a sede de preencher uma lacuna dentro da gente e, finalmente, nos encontrar de verdade.

Temos uma obsessão enorme por querer completar cada espaço disponível que ainda temos, e isso nos leva a cometer erros, como tentar preencher nossas lacunas com o que não deveria estar ali. Assim, nos lançamos em relacionamentos difíceis, acreditamos em promessas frágeis, deixamos que qualquer coisa faça parte de nós sem avaliarmos o valor real de cada espaço, de cada vazio, de cada falta que algo nos faz.

Muitas vezes, aceitar esse vazio e deixá-lo em paz é mais importante do que tentar preenchê-lo. Às vezes, preencher um buraco é sufocar todo o resto. O vazio é essencial para que possamos continuar caminhando, carregando nosso próprio peso, lidando com nossas próprias cargas, encarando nossas próprias decepções, sempre tendo um espacinho não preenchido ali, nos lembrando de que não está acabado, que a busca continua, que ainda há lugar para coisas melhores. Deixar alguns espaços vazios é permitir que a alma respire.

É importante sair do próprio corpo de vez em quando e olhar para nós mesmos. A gente acaba percebendo que o vazio não é tão ruim assim, que algumas lacunas nos caem bem. Parece que falta alguma coisa? Sempre parece. Mas que continue sendo assim, e que a gente encontre forças para preencher estes espaços e esvaziar outros sempre que for necessário, para que coisas maiores possam vir. Gente completa demais transborda e fica vazia de novo, até que aprenda que é nas lacunas, no silêncio e na solidão que a gente encontra espaço para existir de verdade.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Deixe ir


Eu tenho uma tatuagem no braço de que gosto muito. É uma gaiola, cuja portinha está aberta. Dentro dela, há um pássaro e um coração e, abaixo, a inscrição LET GO. Significa "deixe ir". No outro braço, bem na mesma altura, há dois pássaros voando. Foram embora. Às vezes me perguntam o que minhas tatuagens significam e, para essa, a explicação é muito simples: desapego. Mas o significado dessa palavra, na prática, não é tão simples assim.

Deixar ir não é fácil, principalmente quando amamos aquilo que acreditamos possuir. Estamos tão acostumados com as coisas que elas passam a fazer parte da natureza do nosso mundo particular, como a gravidade. Se você abre mão delas, a sensação é a de ficar sem chão, sem ar, sem luz. Deixar ir dá medo porque e se você der a algo a escolha de ir embora ou ficar, e ele optar por ir? E se você passar muito tempo da sua vida desejando que tinha algo e em uma fração de segundos ter que encarar a realidade de que nunca foi seu de verdade, que nunca quis fazer parte da sua vida? Poucas coisas são tão insuportáveis.

Mas às vezes temos que aceitar que algumas coisas precisam ir embora, e que essa é a engrenagem que move a vida: a perda. É perdendo tempo que a gente aprende a valorizá-lo, é perdendo a sanidade que a vida nos ensina a pensar duas vezes e contar até cem antes de fazer algo por impulso ou raiva, é abrindo mão de velhos hábitos que a gente se dá a chance de perceber o quanto a vida pode ser melhor sem eles. Perder é se permitir ganhar.

Às vezes, é preciso abrir a porta da gaiola e ver o que acontece. Deixar ir é um ato de libertação para todas as partes. Ninguém quer viver preso a algo, assim como ninguém merece dedicar sua vida a um pássaro que quer voar embora - Fly Away, como diz uma outra tatuagem que eu conheço muito bem. É necessário deixar ir um amor, um projeto, e principalmente o orgulho.

No final das contas, há outra pergunta que fazem sobre a minha tatuagem, e ela é bem pertinente: por que há um pássaro e um coração dentro da gaiola? Por que eles não foram embora com os outros pássaros? E a resposta para isso é mais simples ainda: porque eles escolheram ficar.

"Quando a luz do dia chegar, eu  terei que ir
Mas esta noite eu vou te abraçar bem forte."
(Daylight, Maroon 5)

sábado, 16 de março de 2013

I Will Survive


Eu pensei que fosse morrer. Quando ele disse que não queria mais, uma parte de mim não conseguia acreditar, processar a informação, e a outra entrou em desespero, acionou um alarme vermelho que ficou rodando e apitando dentro da minha cabeça. Eu preciso ficar sozinho, ajeitar minha vida. É por causa do seu ex, né? Não, Bruno, não é. É sim. Não é. Ok, por que você não pode ajeitar sua vida comigo nela, então? Não é assim, Bruno. Como não é assim? A gente se vê só de final de semana, não vai te atrapalhar em nada. Não é assim, Bruno. Você só sabe falar isso? Bruno...

Quando um amor acaba e parece que uma parte de nós se foi, a gente não quer saber de mais nada. Tira esse sol daqui, fecha essa janela e essa porta que eu quero dormir para sempre; não quero saber de comer, de tomar banho, não quero ficar bonito nem saudável. Quero apenas me deitar nessa cama, me enfiar debaixo desse edredom, e só sair daqui quando esquecer de tudo, seja vivo ou morto.

Levanta daí, Bruno. Para com isso. Você é tão bonito, tão bacana, tanta gente gosta de você. E daí? Ele não gosta mais. E daí que não? Ele não é a coisa mais importante da sua vida. É sim. Não é, Bruno, não é, você vai encontrar outra pessoa, que te mereça, que valha a pena. Mas ele disse que me amava, disse que ficaria comigo, acontecesse o que acontecesse. Não era verdade, Bruno. Por que não era? Não sei. Ninguém sabe. Ninguém sabe. Agora, levanta daí, e vai comer.

Mas eu não fui, e acabei no hospital com desidratação. O médico receitou um soro, o enfermeiro veio aplicar. Pensei nele. Doeu. O enfermeiro procurou uma veia, mas não achou. Será que já estou morto? Procurou de novo, encontrou uma bem fina na base do pulso. Pensei nele de novo. Doeu mais. O enfermeiro colocou a agulha. Doeu. Está doendo? Não. Se começar a doer, me chama. Chorei.

O maldito sol que nascia todos os dias. Mal sabia eu que era ele que ia me jogar para frente. Eu já estava bem, quando descobri que ele estava com o ex de novo. Foi triste. Perdi a cabeça, quebrei tudo que ele tinha me dado, chutei o carro do cara, xinguei ele de todos os nomes, falei um milhão de verdades que estavam entaladas na minha garganta. Me libertei. Descobri a pessoa que ele era, que sempre foi, mesmo estando comigo durante todos esses meses. Me arrependi. Chorei. Chorei. Quis bater em alguém, quis matar alguém, quis me matar. Mas o sol, ah o sol... Estava lá, acontecesse o que acontecesse, ele sim estava lá sempre. Me obrigando a levantar da cama, a encarar a realidade, a juntar meus cacos rapidinho e ir para o mundo, que não ia ficar esperando para sempre.

Fui lá fora e encontrei olhos azuis. Ganhei um livro, depois de ter vendido todos os meus por ele. Encontrei amigos. Vi as nuvens. Conversei com desconhecidos no ônibus. Almocei na universidade. Perguntei os nomes dos outros. Elogiei alguém. Comprei tênis novos. Vi um pedaço de vegetal no microscópio, e a vida é tão linda, tão perfeita, tão encaixada - tudo está ali por um motivo. Dobrei uma esquina e começou a chover, uma chuva pesada, típica de verão, tão densa que dava para passar por entre as gotas sem se molhar. Dei risada com uns amigos. Fui para festas. Morri de rir. Dancei. Beijei alguém. Gostei. Ouvi alguém tocar violão para mim. Adorei. Andei de carro sem ele, ouvi os CDs que eu costumava ouvir com ele sem ele, fui aos velhos lugares sem ele... aprendi a viver sem ele e, com um susto enorme, descobri que não faz a menor falta.

Aprendi que não adianta a gente lutar contra os dias que estão por vir, as dores que eles trarão e a cura a qual teremos que buscar. Essas são as consequências de se estar vivo e, por mais que às vezes doa, é preciso encarar as coisas com bom humor e otimismo, porque tudo passa, tudo sempre vai passar, seja bom ou ruim, seja grande ou pequeno.

Eu pensei que fosse morrer... e estou mais vivo do que jamais estive.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Quem diria?

Eu nunca pensei que as coisas estariam como elas estão agora. Há um mês, tudo fazia sentido. Tudo estava onde deveria estar e, apesar da minha personalidade instável, eu estava calmo. Eu nunca imaginei que fosse possível sentir um vazio tão grande e inenarrável dentro de mim. As pessoas não deveriam desaparecer quando sentem isso? Não. Fácil demais.

Mas, mais do que tudo, acho que eu nunca cogitei que fosse desejar nunca mais vê-lo. Eu, que sempre fiz questão de estar perto dele, jamais teria me convencido de que pensar naquele rosto fosse me causar um arrependimento tão grande, uma vontade tão sobre-humana de nunca ter acontecido daquela forma, de nunca ter clicado naquele nome, de nunca ter iniciado uma conversa, um beijo, um relacionamento que só significou algo para mim.

Eu achava que aquele amor fosse uma boa ideia. Pensei o tempo todo que, apesar de certas dificuldades, fosse valer a pena. Nunca me ocorreu que eu estaria aqui, onde eu estou, rasgando todas as lembranças que eu tenho de nós dois, querendo me mudar para um outro planeta onde eu não tenha que dividir o ar com ele e com a indecência que ele esconde por trás daquela máscara.

Nunca pensei que fosse ter uma decepção tão grande em um intervalo tão curto de tempo... e, mesmo assim, no fundo da minha mente, eu soube desde o primeiro dia.

domingo, 10 de março de 2013

Para todo fim



Quando inventaram a autoajuda, não sei se tinham ideia da popularidade que ela alcançaria. Todos nós, por mais cultos que queiramos parecer, já nos rendemos a certos livros ou frases, seja para nos sentir melhores em momentos difíceis, seja para tentar entender o lado quase incompreensível da vida e ver que não somos os únicos a passar por certas coisas. Não sou fã deste tipo de literatura, mas simpatizo com uma de suas frases clichês: "para todo fim, um recomeço."

Vivemos as coisas com uma intensidade tão grande que acreditamos que elas durarão para sempre. Não é um defeito, mas uma característica natural das pessoas apaixonadas por algo ou alguém: nos dedicamos, jogamos todas as nossas fichas, arriscamos tudo, colocamos a perder. E um belo dia você descobre que acabou. Seus planos foram por água abaixo, nada é como você havia imaginado, e nós somos lançados a uma das tarefas mais difíceis e importantes da vida: recomeçar.

Não é fácil recolher os cacos e começar de novo, principalmente porque quando uma nova fase se inicia, nunca começamos do zero: temos uma bagagem ainda maior para carregar conosco na subida do que tínhamos quando tudo começou. Nós lutamos contra as perdas e os recomeços como se tivéssemos algum controle sobre eles. Quando chega a hora de dizer adeus a algo, não há autoajuda, sofrimento ou barganha que nos salve. O que tem que ir, inevitavelmente vai. Podemos passar a vida negando uma perda, tentando brigar contra ela... mais cedo ou mais tarde teremos que encarar que, querendo ou não, recomeços são necessários, e se soubermos encará-los com força e maturidade, será transformador.

É verdade o que a autoajuda diz; para todo fim, há mesmo um recomeço. É assim que funciona, para o nosso próprio bem. Mas eu diria que, mais importante do que isso, o contrário também é verdadeiro: para cada recomeço, é necessário um fim.

sábado, 2 de março de 2013

Eu quero acreditar

Não parece que é de verdade. Ainda tem uma camiseta sua na minha gaveta, e seu cartão de Valentine's Day ainda está guardado no meu armário. Seus presentes estão expostos na minha prateleira de livros, sua voz ainda vibra nos meus ouvidos, e eu finjo que você está dentro do meu carro, venho o caminho inteiro conversando com um banco vazio. Por um minuto, pareceu real, até que eu tive que fazer uma curva e olhar para meu lado direito.

É difícil acreditar que você foi embora. Que pegou todos os nossos planos e as nossas memórias e enfiou em algum lugar que eu não sei onde é, não se importou em pedir minha opinião, não se deu ao trabalho de olhar para elas com carinho, não pensou, sequer entendeu. É isso, a gente terminou, eu fico repetindo pra mim o tempo todo, obrigando meu cérebro a processar a informação, tentando enfiar essa dose horrível de realidade goela abaixo. E isso revira meu estômago, e eu fico doente de verdade.

Tudo está aqui como era antes, e eu acordei hoje sabendo que era uma manhã daquelas em que você estava aqui, deitado na minha cama, dormindo silenciosamente, coberto mesmo estando calor. Nada mudou, você só levou você mesmo embora, o resto está aqui, pendurado, exposto, emitindo sons, sangrando.

Você me pediu para ter forças e respirar fundo. Prometeu que eu ia ficar bem. E eu quero acreditar. Quero acreditar que eu vou te esquecer, que minha vida vai voltar ao normal, mesmo com um buraco em várias partes dela. Quero acreditar que a gente acabou, mesmo, que você foi embora e me deixou aqui, atônito, chocado. Eu quero acreditar nisso.

Mas eu não consigo acreditar em você.

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Atualização, 03/03/2013, 11:50 AM:
Acreditei, e deixei ir.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Súbito

Aconteceu de repente, e eu não consigo pensar em nada bom que possa acontecer de repente. De repente pessoas morrem, de repente aviões caem, de repente prédios desabam.

De repente era de manhã, estava tudo estranho, talvez fosse pelo álcool da noite anterior, talvez a dor de cabeça ou o sol muito forte que faz nessa cidade, eu percebi um contorno diferente nas coisas, um tom sépia triste, eu beijei seu pescoço numa marca de sol, senti seu cheiro e foi a última vez, não consigo acreditar, foi a última vez que eu te dei um beijo, você estava de costas pra mim, mexendo no seu celular, essa memória parece tão triste agora, tão solitária, você, sua marca de sol, e foi só isso.

De repente eu sabia, sabia e não fazia a menor ideia de que seria isso, não conseguia acreditar na minha própria intuição, não fazia sentido, não era possível que você fosse terminar comigo, não tinha motivos, tinha? Eu aprendi a lidar com meus medos assim, me perguntando se eles tinham algum fundamento, alguma base em fatos reais, e dessa vez foi assim também, fiz uma análise cuidadosa dos nossos últimos dias, e tudo estava tão bem, nós assistimos àquele filme juntos, nós tomamos milk shake juntos, nós nos deitamos na minha cama e ficamos inventando versões em português para músicas americanas, você me beijou, você me abraçou e me chamou de filhote, como você sempre fazia, é horrível escrever verbos no passado para me referir a você, porque não parece que foi no passado, e parece que foi há um século, parece que foi ontem, foi há uma semana.

De repente nada fazia mais sentido. Você entrou no carro e a gente não se beijou. Você não estava falando coisa com coisa, eram só murmúrios, eu pensei que fosse só mais uma daquelas nossas discussões sem motivos bons, que iríamos ficar em silêncio por um tempo, e depois nos abraçaríamos e o mundo voltaria a fazer sentido para nós, mas não foi. Você respirou fundo... e saiu. Todas aquelas palavras, tão inacreditáveis, ele não pode estar falando sério, não pode ser verdade, ele só está bravo, ele só está cansado, talvez seja o álcool da noite anterior. Não era.

De repente eu estava em casa, não conseguia acreditar, eu chorava como se fosse morrer disso, até agora não consegui parar, existe uma outra versão de mim sem você e eu não a reconheço, não faz parte do que eu imaginei para mim, eu me olho no espelho e não sou eu, é outro cara ali, sem você, não é possível que ele realmente exista, não é possível que ele um dia vá olhar nesse espelho para arrumar o cabelo e sair de casa sem você, que ele vá escovar os dentes nesse espelho e sorrir para outra pessoa, não parece real, parece um sonho, parece uma notícia tão estranha e inacreditável, aquele tipo de coisa que você nunca pensa que vai acontecer de verdade, e já aconteceu comigo um milhão de vezes, mas dessa vez eu pensei que fosse ser diferente, pensei que você fosse ser diferente, por um momento de ingenuidade eu pensei que fosse ser para sempre.

O que eu faço com as nossas mil fotos, com nossos objetos, o que eu faço com o visor do meu celular que não acende com a foto do seu cachorro, porque você não vai mais me ligar no meio da tarde, só pra perguntar se está tudo bem, o que eu faço com nossos lugares, com meu quarto, com meu carro, onde eu jogo todas essas lembranças, onde eu encontro paz, em que abraço as coisas vão ficar bem, como é que eu vou te devolver tudo isso, seus objetos, suas fotos, seus lugares, seus abraços, como é que isso vai ficar bem agora?

O avião caiu enquanto eu lia um livro, o prédio desabou enquanto eu tomava um café, estava tudo normal, estava tudo bem, agora não está mais, eu estou aqui debaixo dos escombros, tentando entender como aconteceu, o que causou o acidente, quando foi que as coisas começaram a dar errado, em que ponto foi o defeito, e como é que eu vou fazer para sair dessa de novo.

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