segunda-feira, 23 de junho de 2014

Aquilo que perdemos

"Somos tambien lo que hemos perdido." Li esta frase, já há alguns anos, no encarte de um CD da Laura Pausini. Já falei dela em outro texto, mas sinto que preciso falar de novo. Ela me marcou bastante justamente por falar da perda de forma tão presente. Costumamos associar a perda com a ausência, com o passado, com coisas que não fazem mais parte das nossas vidas ou de nós mesmos. Não é assim de verdade.

Quando você olha para alguém na rua, ou quando olha para você mesmo no espelho, o que você vê não é apenas quem aquela pessoa é, o que ela tem, o que ela deseja ser. Em cada um de nós há cicatrizes e sombras das nossas perdas. Elas fazem parte de nós, do que somos, de como agimos, da forma como enxergamos o mundo aqui fora.

Somos as noites que passamos em claro nos perguntando sobre o futuro ou relembrando o passado. Somos os buracos que ficaram em nós. Somos o eco improvável em um vácuo criado em nossas almas. Somos o tempo que perdemos, o riso que deixamos de abrir, as lágrimas que secaram sozinhas, as lembranças das pessoas que se foram por vontade própria ou não. Somos aquilo de que tivemos de abrir mão para crescer, para nos libertar, para seguir em frente. Somos retalhos dos nossos projetos inacabados, das nossas preces interrompidas, dos nossos amores infinitos enquanto duraram. Somos os lares pelos quais passamos, as experiências que experimentamos, o dinheiro que gastamos, a morte em plena vida, as feridas auto-infligidas. Somos o resultado imperfeito das loucuras causadas por nossas abstinências, seja lá do que for. Somos nossos erros, nossas curvas, nossos choques. Somos nossos traumas de infância, nossas surras, nossos tombos, nossos fantasmas. Somos tudo aquilo que já foi, é, ou será nosso.

Não há como escrever nossa autobiografia sem levar em consideração aquilo que perdemos. Foram essas perdas que nos moldaram, que nos guiaram até aqui. Somos o que somos porque aprendemos a lidar com cada uma delas, com cada formato diferente de lacuna que ficou dentro de nós. Elas nos fortaleceram em certos pontos, nos amoleceram em outros, e talvez estejam mais presentes em nós do que aquilo que ainda temos.

Talvez esse seja o lado bom das perdas: nos fazer entender que, para que a vida continue em movimento, para que possamos crescer e testar nossos próprios limites, é necessário lidar com cada uma delas. E, quando nossa jornada chegar ao fim, saberemos que nada foi perdido; de fato, está tudo lá, definindo as linhas tortas, mas únicas, que nos fazem ser quem somos de verdade.

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