terça-feira, 29 de abril de 2014

Marte

Há essa estrela vermelha no céu, que me fascina tanto quanto me assombra. É longe, e eu poderia me transportar para lá na velocidade da luz, se dependesse de mim. E me desprenderia de tudo isso que me acorrenta a uma gravidade duvidosa. Aceitaria o nada, a areia, as rochas como uma bênção. Ouviria o eco do meu próprio coração bater, e basta. Nada que vai para Marte volta, porque custa caro, e eu também não voltaria. Querem colonizá-lo, ouvi dizer. Ainda dá tempo de fazer a inscrição?

Mas Marte passa rápido por mim. Em poucas horas, cruzou o céu e me deixou aqui. Aqui onde é longe. Aqui onde é frio. Aqui onde não há para onde ir.

sábado, 19 de abril de 2014

Assopro

É inquieto o silêncio que me acorda durante as madrugadas. Faz tempo que o ouço. É uma voz que não é de ninguém. É um som sem timbre, sem nota, sem vibração. Tudo o que me assombra, tudo o que me esclarece, tudo o que é sólido e invariavelmente derrete, me afoga em um copo fundo de palavras em código. Meu cérebro se sobrecarrega, não há verdade ou mentira, não há hoje ou ontem - é tudo sempre, é tudo aqui.

Leio os lábios invisíveis que se pronunciam, batendo seus dentes escuros e refletindo no esmalte as luzes de uma cidade morta. Mas nada é claro, e eu sou surdo. Tateio as paredes no escuro, procurando por uma porta, procurando por uma saída. Minhas mãos me enganam e eu trombo e caio.

Quem me pediu para esperar, me viu correr como um cometa. Não há lucidez, oxigênio ou calor que me prenda a algum lugar. Tudo aquilo que se repete dia após dia, minuto após minuto, faz com que eu me sinta menos vivo, menos real, como se eu estivesse me dissolvendo, me desbotando, me prendendo aos papéis de parede da decoração. Não sou daqui, eu penso. Não sou de nenhum lugar, porque minha alma é itinerante. Minhas asas se abrem e eu tenho que voar, não importa quando nem para onde.

Subo tão alto e me deparo com um buraco negro. É como se ele estivesse me esperando o tempo todo. O silêncio pressiona meus tímpanos de novo. Sinto sua língua provar do meu sangue. O nada se funde com o tudo. Suga tudo para a inexistência e, quando tudo desaparece, o nada suga a si mesmo. A partícula de nada, tão pequena que nem existe, implode e gera planetas, galáxias, estrelas. Todos eles cheios de tudo, cheios de nada. O silêncio assombra nos cantos escuros da mente, e quem ouve não entende.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Tempo, tempo, tempo

Mexendo em coisas velhas, encontrei pedaços importantes do meu passado, peças de um quebra-cabeça inconclusivo que tenta formar o que sou hoje. Há uma frase de um filme chamado "Amores Perros" de que gosto muito, e que diz "Somos também aquilo que perdemos". Somos frutos da erosão causada pelo tempo. Moldes imperfeitos das circunstâncias nas quais nos chocamos. Planos que não correram como imaginávamos, pedaços rasurados dos nossos projetos iniciais, remendos da nossa própria alma despedaçada milhares de vezes.

Eu era um garoto que não se encaixava em quase nenhum lugar. Passei por tanta coisa que às vezes parece ter sido em outra vida e, se eu parar para pensar, de fato foi, a julgar pelos inúmeros "para sempre" que vivi e que ainda existem em algum lugar, em alguma outra vida, se é que eu acredito nisso, se é que eu acredito em alguma coisa. Foram eternidades que se acabaram em um piscar de olhos, antes que eu pudesse pronunciar um protesto. Eu era o garoto que saía correndo no meio da aula de inglês e ia tomar chuva no pátio do colégio. Eu tinha (ainda tenho?) uma tristeza dentro de mim que ninguém conseguia explicar ou entender, a qual eu contemplava (ainda contemplo?) em um deleite secreto, silencioso, agridoce.

Olhando para trás, apesar do caos para o qual parece que fui predestinado, há uma certa inocência nos meus atos, uma virgindade espiritual e empírica. Quem eu era naquele tempo não tinha a menor noção das tempestades que estavam por vir, das dúvidas que surgiriam, dos medos que me assombrariam. O que eu sabia, afinal? Com 15 anos de idade, o mundo era gigantesco e eu era pequeno, mas não mais do que sou agora. Olhando para aquele garoto, tão inexperiente, tão otimista e ingênuo, eu me pergunto como seria se eu soubesse o que estava por vir.

E se eu não tivesse andado por aqueles caminhos? E se não tivesse feito as escolhas que fiz? E se eu não tivesse conhecido as pessoas que conheci? Quem eu seria hoje? Onde estaria, e com quem? Será que tudo estaria diferente hoje? Ou eu acabaria saindo no mesmo lugar, independente da porta pela qual eu tivesse entrado?

A resposta que encontro para essas perguntas está diante dos meus olhos todas as vezes que eu me olho no espelho: as tempestades que enfrentei me revelaram modos de sobrevivência para as próximas; as pessoas que conheci me ensinaram lições das quais jamais esquecerei; os caminhos que trilhei eram os certos, simplesmente porque a bússola dentro da minha alma indicava para eles no momento em que tomei as decisões que tomei; minhas perdas me ensinaram a cuidar dos meus ganhos; meus erros justificaram meus acertos.

Se me dessem uma nova chance de fazer tudo de novo, é claro que eu não faria tudo igual. Minha essência é testar a vida de todas as formas, e eu não perderia tempo com uma reprise de algo que já sei como acaba. O tempo não só mudou quem eu era. Ele me transformou no que sou: uma colcha de retalho dos meus erros, das minhas experiências, dos meus amores, dos meus acertos acidentais, das minhas escolhas imprudentes, dos meus ganhos e, principalmente, das minhas perdas.

E quando aquelas dúvidas aparecem, encharcadas de desespero e imediatismo, há uma resposta que ameniza temporariamente minhas aflições: tudo o que aconteceu me trouxe até aqui. E isso basta por agora.

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