terça-feira, 16 de novembro de 2010

Autosugestão

Às vezes a gente faz algumas coisas que nem a gente entende porque a gente faz, a gente simplesmente faz porque acha que deveria ser feito. E depois a gente pára e pensa que não deveria ter começado a fazer.
Um cigarro, que a gente acende pra sentir uma sensação nova, que acaba se tornando um vício. Um beijo que a gente dá porque a carne é fraca e, no futuro, a gente percebe que a ferida foi maior do que o beijo, maior do que o fogo envolvido nele.
Mas a maioria das coisas que a gente faz, acredito que a gente faça pelo medo. O medo de não conseguir fazer outras coisas. A gente se entrega de bandeja às nossas fraquezas, aos nossos maiores temores, e tudo não passa de uma grande fuga, uma válvula de escape de uma realidade que não está assim tão boa e aceitável.
Começamos uma história planejando um final para ela, com todos os detalhes envolvidos nisso, com todas as falas devidamente ensaiadas, com todos os tons de voz controlados, com um resultado esperado. Mas nada é bem assim, nada sai como o planejado, a gente gagueja e esquece o que tinha pra dizer, a gente olha e se dá conta de que não há ninguém escondido nos bastidores para soprar as falas escritas nesse papel imaginário que a gente dá pra gente, a gente dá voltas em nós mesmos para esconder coisas que não estavam no roteiro e acabamos entregando o jogo inteiro, sem perceber que o foco mudou de repente, que o roteiro foi editado pela linha tênue entre a realidade e o caprichosamente ensaiado. Porque a verdade é bem maior do que a gente emoldura ela.
De uma hora para outra nossos próprios princípios mudam, nossas convicções sofrem uma metamorfose instantânea e a gente se vê diante de um muro de dúvidas, tão alto quanto nossas antigas certezas.
Assim, nós tragamos cada vez mais cigarros na esperança de conseguir expirar, juntamente com a fumaça venenosa, aquilo que nos sufoca, que se prende na boca dos nossos pulmões. Assim, nós damos cada vez mais beijos, movidos pelo impulso do desejo, da esperança de conseguir provar para nós mesmos algo que não conseguimos enxergar a olho nu, refletido no espelho.
Mas a única verdade é que estamos todos assustados, porque a gente olha no relógio e são três horas da tarde, e um pouco depois a gente torna a olhar e são duas horas da madrugada, mas por mais que o tempo tenha passado tão rápido, entre um vício e outro, entre um desejo e outro, nada mudou nesse intervalo, nada se fez valer a pena.
E a gente torna a fazer, sem entender porque estamos fazendo, a gente simplesmente faz porque acha que deve ser feito, mesmo que não seja bem feito, mesmo que não seja perfeito.

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