terça-feira, 16 de novembro de 2010

Autosugestão

Às vezes a gente faz algumas coisas que nem a gente entende porque a gente faz, a gente simplesmente faz porque acha que deveria ser feito. E depois a gente pára e pensa que não deveria ter começado a fazer.
Um cigarro, que a gente acende pra sentir uma sensação nova, que acaba se tornando um vício. Um beijo que a gente dá porque a carne é fraca e, no futuro, a gente percebe que a ferida foi maior do que o beijo, maior do que o fogo envolvido nele.
Mas a maioria das coisas que a gente faz, acredito que a gente faça pelo medo. O medo de não conseguir fazer outras coisas. A gente se entrega de bandeja às nossas fraquezas, aos nossos maiores temores, e tudo não passa de uma grande fuga, uma válvula de escape de uma realidade que não está assim tão boa e aceitável.
Começamos uma história planejando um final para ela, com todos os detalhes envolvidos nisso, com todas as falas devidamente ensaiadas, com todos os tons de voz controlados, com um resultado esperado. Mas nada é bem assim, nada sai como o planejado, a gente gagueja e esquece o que tinha pra dizer, a gente olha e se dá conta de que não há ninguém escondido nos bastidores para soprar as falas escritas nesse papel imaginário que a gente dá pra gente, a gente dá voltas em nós mesmos para esconder coisas que não estavam no roteiro e acabamos entregando o jogo inteiro, sem perceber que o foco mudou de repente, que o roteiro foi editado pela linha tênue entre a realidade e o caprichosamente ensaiado. Porque a verdade é bem maior do que a gente emoldura ela.
De uma hora para outra nossos próprios princípios mudam, nossas convicções sofrem uma metamorfose instantânea e a gente se vê diante de um muro de dúvidas, tão alto quanto nossas antigas certezas.
Assim, nós tragamos cada vez mais cigarros na esperança de conseguir expirar, juntamente com a fumaça venenosa, aquilo que nos sufoca, que se prende na boca dos nossos pulmões. Assim, nós damos cada vez mais beijos, movidos pelo impulso do desejo, da esperança de conseguir provar para nós mesmos algo que não conseguimos enxergar a olho nu, refletido no espelho.
Mas a única verdade é que estamos todos assustados, porque a gente olha no relógio e são três horas da tarde, e um pouco depois a gente torna a olhar e são duas horas da madrugada, mas por mais que o tempo tenha passado tão rápido, entre um vício e outro, entre um desejo e outro, nada mudou nesse intervalo, nada se fez valer a pena.
E a gente torna a fazer, sem entender porque estamos fazendo, a gente simplesmente faz porque acha que deve ser feito, mesmo que não seja bem feito, mesmo que não seja perfeito.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Abismo

Todas as coisas que eu te disse hoje ecoam do silêncio no abismo que se fez entre nós.
Os pássaros negros que dormem ali (um dia foram asas de esperanças - minhas, nunca suas) não acordam. As palavras não têm mais força, ou textura, ou sabor. Elas sequer existem.
Chego na beirada, com cuidado para não cair e me espanto com a profundidade do abismo. Não consigo ver o fim, porque é escuro. Receio que se eu me jogar, por algum motivo o qual não me vem na cabeça agora qual seria, eu nunca pararia de cair.
Mas, apesar da escuridão e do silêncio, consigo ouvir alguns sons e eles são tão baixos que eu me pergunto se são mesmo sons ou se são apenas fruto do meu medo do silêncio. Ouço a sua voz, ouço a minha. Nossas risadas, as promessas que eu quis fazer e não fiz.
Ouço também o som do fim chegando, e se parece com o som do mar - bravo, vago, sombrio.
Se você pudesse se sentar ao meu lado, o que você diria?
Se você pudesse se sentar ao meu lado, você seguraria minha mão para que eu não caísse?
Eu tiro meus sapatos, você tira os seus e a gente os joga lá no fundo, só pra ter certeza de que há algo real de nós lá embaixo (não apenas as memórias - minhas, nunca suas).
Apoio-me em uma pedra fria, descubro que você não está do meu lado, que você nunca esteve.
Levanto-me com dificuldade, dou uma última espiada no abismo. Uau, é mesmo fundo!
E então sigo lentamente em direção à vida.
A minha.
Não mais a sua.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Foto

Eu estou segurando sua mão na foto e estou sorrindo. Você também sorri.
Olhando para ela agora eu me pergunto se nós sabíamos, mesmo que só pela alma, lá no fundo do subconsciente, que aquelas mãos dadas e aqueles sorrisos em nossos rostos não significavam mais muita coisa.
Me pergunto, também, se foram as doses de vodka, ou se foram os cigarros, ou se foi o clima, ou se foi qualquer outro fator externo que nos empurraram para o abismo. Mas eu sei a resposta - sei que nem a vodka, nem os cigarros, tampouco o clima, ou o horóscopo, ou qualquer outro fator externo tiveram alguma culpa nisso. A culpa é toda nossa, a culpa é toda minha.
Eu ainda acredito nos nossos olhos naquela foto, ainda acredito na esperança estampada nos nossos sorrisos.
Mas no final da festa ela se retirou para sempre.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Epílogo

Não existe uma música para descrever isso. Não existe um poema, um livro, uma frase. Não existe uma palavra pra descrever esse vazio. Só existe a sua vida, e a vida das outras pessoas que continua seguindo, como se nada tivesse acontecido, e isso talvez seja engraçado.
Existe a sua vida, da qual você tem que cuidar. Trabalhar, estudar, mesmo quando não há vontade de fazer nada disso.
E é só isso mesmo. Esse silêncio aqui dentro, que grita mais do que qualquer som. as lembranças que não me deixam dormir e o medo. Medo de acordar amanhã cedo e sair pela porta da sala, encarar a vida ali, exatamente como eu deixei ela, me esperando, dizendo "Vamos?"
Medo da vontade de dizer pra vida "Não, não vamos. Hoje eu vou ficar aqui, deitado, sem comer, sem tomar banho, sem falar com ninguém."
E medo do medo, propriamente dito. De quando ele aperta, de quando ele me acorda no meio da noite e me faz sentir como se eu fosse uma criança que acordou com frio e não sabe onde está guardado o cobertor.
Você quer apenas se levantar, tomar as rédeas de volta, mudar tudo, desde o começo. Mas agora... que diferença faz agora? Que diferença faz agora respirar fundo e seguir em frente? O que isso muda, afinal? O que isso traz de volta, o que isso conserta?

Que diferença faz querer pegar o telefone, que diferença faz querer gritar "Não. Não vai embora assim"?
Um dia isso poderia ter feito diferença. Há três semanas atrás, ou há um ano, que seja. Não hoje - hoje é um pouco muito tarde. Um pouco muito tarde para ser alguém diferente, para fazer de uma maneira diferente.

O fim é mesmo triste. Mas, pior do que o fim, é o que vem depois dele. Pior do que o fim, é o epílogo.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Portas

Hoje eu olhei para aquelas portas. Todas aquelas que me foram abertas um dia, todas aquelas pelas quais eu entrei.
E, sendo honesto, eu quis desistir.
Senti algumas coisas escorregando através de meus dedos - todas as conquistas, os desejos, a esperança - e quis jogar tudo para o alto. Tudo mesmo.
Hoje todas as coisas que eu desejo pareceram menos importantes do que eram. Pareceram menores do que o meu cansaço de correr atrás delas, de escalar o mundo, de perder meu tempo.
Me sentei entre amigos e me senti deslocado, constrangido. Ouvi palavras que doeram. Senti coisas que me embrulharam o estômago (físico e mental) e quis vomitar toda a raiva, a angústia e a claustrofobia represadas dentro de mim.
Hoje eu duvidei.
Hoje eu cheguei ao meu limite.
Hoje eu olhei para aquelas portas. E eu quis sair por todas elas.

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P.S.: Gostaria de deixar um grande beijo a todos(as) os(as) blogueiros(as) que eu conheço e admiro muito. Dany Tiepo (do Bagunça de Ideias), Jaquelline (do Just So You Know), Carolina (do Vento sem Rumo), Bruninha (do Come back and haunt me) e todos os outros blogueiros que passam por aqui às vezes, além daqueles que não me conhecem, mas cujos blogs eu adoro ler. Blog, sem dúvidas, é a melhor invenção dentro da internet, porque aproxima as pessoas e, melhor ainda, aproxima você de você mesmo. 
Deixo também um beijo enorme para o meu blog, apesar de ele não ser uma pessoa. Adoro esse espaço que eu criei para compartilhar com vocês tudo o que sinto e não vou apagá-lo nunca.
Enfim, feliz dia do blog :)

sábado, 21 de agosto de 2010

Só de passagem

Depois de algum tempo, as músicas que você ouvia e que quebravam seu coração em vários pedaços sangrentos param de fazer seu efeito. Aquele perfume que parava sua respiração se torna apenas mais um cheiro bom que você gosta de sentir. Você não se sente mais enjoado quando vê um rosto que antes lhe era especial, você não pula da cama desesperado em direção ao telefone quando ele toca e você deixa de aplicar certas músicas à sua própria vida.
Todos aqueles que te cercam se transformam, as folhas velhas caem no outono e dão espaço a novas pétalas frescas e coloridas. A chuva vai embora e deixa uma terra fértil para novos começos. O horizonte muda e as dunas do deserto são diferentes no final do dia.
As lágrimas secam, o coração decide bater por outros motivos e os olhos inventam cores novas para enxergar. A dor, toda a dor, se acaba. As feridas se cicatrizam e até a noite infinita cria seu próprio fim no clarear de cada dia, para deixar claro que algumas coisas vêm, enraizam-se em nossas vidas, transformam tudo e então vão embora. Passam e explicam-se dessa maneira: estão apenas de passagem.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Rio

"E eu queria acreditar quando me dizem que tudo vai ficar bem."


- Inspirado na garota do ônibus - 


Encostou a cabeça na janela e não parecia se importar com todas as outras pessoas dentro do ônibus, cada uma com seu próprio inferno particular. Simplesmente respirou fundo. E chorou.
As pessoas olhavam, a maioria disfarçadamente. Com pena, com espanto, com medo - como se chorar fosse a coisa mais sobrenatural do mundo.
Eu não pude deixar de imaginar o motivo por trás daquilo, a nascente daquele rio que ela desaguava através dos olhos, libertando tudo que estava preso, encalhado, entalado em sua garganta, em sua cabeça e em sua alma.
Saudades da família que ficou na capital quando ela resolveu se mudar para cá para estudar. Um bicho de estimação doente. O namorado que foi embora, assim mesmo, sem mais nem menos, e nunca ligou para saber como ela estava, o quanto estava sofrendo. O cheiro dele impregnado nas cortinas do seu quarto. A bolha no pé, causada por aquele sapato que custou metade do seu salário curto.
Ela deslizava o olhar pela janela. Observou o céu e as pequenas nuvens cinzas - a chuva que estava por vir. Então, voltou seu olhar para mim. Percebeu que eu a estava observando, invadindo sua privacidade, mergulhando cada vez mais fundo em seu rio.
Eu desviei os olhos, como quem se desculpa.
Eu quis me levantar, colocar a mão em seu ombro, pedir que respirasse, prometer que tudo daria certo.Mas eu não poderia pedir que parasse. Porque nenhuma palavra que eu dissesse seria tão confortante quanto seu próprio choro. Nada poderia limpar melhor sua alma.
Então ela continuou a chorar, sem culpa e sem vergonha.
Enxugou seu rosto quando chegou em seu destino e desceu do ônibus, olhando ao seu redor, se perguntando se aquele era o destino certo.
Se era o destino certo para ela.
E se seria aquele destino para sempre.

sábado, 24 de julho de 2010

O drama barato da cerveja barata

Inspirado na moça do outro lado do bar

Quando eu cheguei aqui nesse bar não havia quase ninguém. Agora, parece que toda a América do Sul resolveu se enfiar dentro desse espaço - que não chega nem perto de ser grande.
Eu sabia que ele estaria aqui. Apenas não sabia que ele estaria acompanhado.
Quem é aquela filha da puta?
Tento andar no meio dessa multidão e essa é uma tarefa difícil. As pessoas esbarram em mim e passam a mão na minha bunda, e eu quase derrubei a garrafa de cerveja, o que seria um grande prejuízo.
Meu principal objetivo de vida agora é ir para casa.
Não consigo me lembrar onde estacionei meu carro. Não consigo me lembrar se vim de carro. Ou se eu tenho um.
Enquanto me decido, sento em uma cadeira e dou um gole na cerveja. Essa porra tem gosto de vômito.
Acho que eu vou vomitar.
Há algumas pessoas vestidas de palhaço andando por aí (como eles conseguem circular com tanta facilidade no meio desse mar de gente?) Eles carregam uma caixinha com papéis recortados, para que as pessoas mandem bilhetes umas para as outras. Uma espécie de correio elegante.
Sinto vontade de pegar um papel na caixa e mandar alguma pessoa ir se fuder. Não sei quem. Qualquer pessoa merece ser mandada a ir se fuder essa noite. Talvez aquela garota de vestido azul-real.
Eu não gosto de azul-real.
Chamo o palhaço e peço um bilhete, e ele me diz que custa cinquenta centavos. Mas não vou gastar cinquenta centavos para mandar alguém ir se fuder, então mando o próprio palhaço, por cobrar tão caro em um pedaço de papel.
Não me sinto mais leve.
Como eu vim parar aqui?
Olho em volta procurando algum rosto conhecido, mas estou tão bêbada que se olhar eu mesma no espelho, nunca vou me reconhecer.
Estou com tanta raiva. Quem é aquela filha da puta que ele está beijando?
Vou beijar o primeiro cara que me pedir, seja ele quem for, seja ele como for. Vou beijar até mesmo se for uma mulher tão bêbada quanto eu. Eu não sou lésbica, apenas estou zangada.
Alguém me cutuca, como se pudesse ler meus pensamentos, e pede para me beijar.
Era um rapaz e ele tinha uma mancha perto da boca que tanto podia ser apenas uma mancha quanto um inseto estranho. Reparar isso foi involuntário, é aquela primeira coisa que você pensa quando vê uma pessoa, nos primeiros milésimos de segundo que seus olhos a enxergam. Você não pensa "o que eu faço?", você pensa "uma mancha" ou "um bigode" ou "que monocelha indecente!"
É claro que eu não o beijei.
Concentro-me em ir embora. Isso está piorando.
Essa fumaça está me deixando enjoada.
Acho que vou vomitar.
Tenho a brilhante ideia de apalpar meus bolsos e verifico que tenho uma chave de carro.
Isso explica muita coisa. Eu vim de carro. Eu tenho um carro. O mundo faz todo sentido agora.
Não tenho forças para levantar da cadeira. Mesmo porque, estou incapaz de dirigir assim.
Começaram a tocar aquela tal de Amy Wine alguma coisa. Não consigo me lembrar do nome dela.
Não consigo me lembrar meu próprio nome.
Me lembro de ter vindo com alguém. É, parece que eu vim com alguma amiga.
Me levanto e me deixo ser levada pela maré de pessoas dançantes.
Nenhum rosto me é familiar.
Agora estão tocando Elis. Você sabe, aquela música "minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos..." Que tipo de bar é esse?
Não posso ir embora assim. Vou bater no primeiro poste que aparecer na minha frente. Ou não vou ser capaz nem de achar meu carro. Há alguns minutos eu não sabia se tinha um carro.
Me pergunto se isso pode ficar pior. Olho para o teto e vejo que tem uma mancha de infiltração, provavelmente debaixo da caixa d'água. Sim, pode ficar pior. O teto pode desabar em uma enxurrada. Uma cena e tanto.
Não tenho um puto no bolso para pagar um taxi.
Alguém me cutuca, de novo. "Uma cicatriz."
Mas eu conheço aquela cicatriz. Eu conheço aquele rosto. É ele.
- Quem é aquela filha da puta? - pergunto.
Ele dá risada e diz alguma coisa que eu não consigo ouvir, porque a música está muito alta. Quem se importa?
- Me leva embora?
Ele faz que sim com a cabeça e me leva no meio da multidão, me segurando pelo braço. Assim parece mais fácil chegar à porta.
- Puxa, que noite ótima, não acha?
- Não - respondo. Dou outro gole na cerveja e jogo a garrafa no gramado do estacionamento. Aquela porra tem mesmo gosto de vômito.
Nós entramos no carro dele, eu vejo o meu estacionado há alguns metros. Amanhã eu volto para buscar.
Sinto uma vontade grande de chorar. Que noite horrível, que vida horrível.
- Eu posso te dar um beijo? - ele diz.
Abaixo o vidro, sinto o ar gelado batendo no meu rosto.
Agora é oficial.
Vou vomitar.

sábado, 17 de julho de 2010

Pluma

Desejo coisas boas para minha alma e cores vivas para o mundo ao meu redor.
Portanto, mato o tempo que insiste em ser exato, retiro pétalas de flores que ousam ser perfeitas e pinto de alaranjado o pôr-do-sol apenas para poder me deitar na grama e saber que eu participei da mudança que eu quis ver.
Desejo sabor de chocolate para minha alma e água na boca pelo mundo ao meu redor.
Leio bilhetes que não foram escritos para mim e me coloco no lugar, não de quem recebeu, mas de quem escreveu. É bom sentir vontade de mandar um bilhete para alguém.
Respiro fundo a brisa que sopra em algum sonho lúcido e concluo que não é ruim estar sozinho essa noite ou em outra noite qualquer.
E assim, me deixo ir. Deixo que minha subconsciência desenhe figuras tingidas de lilás, verde e momentos. E vou.
Porque vida é pluma, e nós somos o vento - nada mais do que o vento.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Neblina

Quando você se deita na cama e não consegue ver mais nada no escuro, e o único som é o do seu coração batendo, pelo que ele bate?
Do que você sentirá falta?
Talvez daquele cheiro que corta seu peito por dentro, aperta sua garganta e esquenta seus olhos, mas que mesmo assim você quer continuar sentindo, pois é tão vital quanto o ar - ou mais.
Você se cobrirá até a cabeça porque a solidão te dá frio e se encolherá na cama, buscando algum tipo de calor, ignorando o som da chuva batendo na janela, pedindo para entrar.
O banho quente matinal fará sua pele experimentar uma sensação tão prazerosa quanto ridícula - o arrepio.
O amargo do café nunca contrastou tão bem com o doce do açúcar, assim como o doce do chocolate combina bem com o sabor cítrico do morango.
E você sairá na neblina, tentará fechar o casaco até o pescoço e perceberá que isso não faz cessar o frio, mas não se importa, afinal. O frio não é tão ruim assim, não quando se tem um motivo para estar imerso nele, com o nariz vermelho e os olhos brilhantes.
Beberá uma xícara de chocolate quente e sentirá as veias da sua garganta dilatando com o calor, o sangue correndo das artérias para o coração, e do coração para as artérias, num ciclo infinito e voltará a se perguntar, inconscientemente, enquanto lê alguma notícia sobre balões no jornal, pelo que seu coração bate.
E talvez você encontre a resposta quando o telefone toca, ou quando há no rádio uma canção em especial que te obrigue a parar todos os pensamentos.
Sentirá frio novamente, tentará apertar o casaco novamente e, ao fim, parará de lutar contra esse sentimento, assim como desistirá de fechar o casaco para lutar contra o frio porque, de repente... é amor.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Gelo

Sabe, o inverno me faz ver a verdade - você foi. Porque quando eu estremeço de frio, não há quem me ofereça o casaco ou me aqueça em braços incrivelmente quentes.
O inverno me lembra o gosto do gelo na boca. O gelo que adoça o paladar e deixa sua língua sensível é o mesmo gelo que te afoga em frio quando está escuro ou, na melhor das hipóteses, racha seus lábios em uma noite fria de lua minguante.

Ruas velhas dessa cidade vazia e eu passo por elas observando tudo da janela de um veículo qualquer. O velho que sai do armazem pela manhã e coloca a placa na calçada com a promoção de frutas frescas. E esse velho, de repente, para. Não por vontade própria, apenas congela no meio do movimento, a placa ainda não foi colocada no chão, ele ainda está curvado, os pés apoiando o peso do corpo, mas ele não se mexe. E não foi só o velho que parou, mas todo o resto do mundo. Os carros nas ruas, os pássaros pairam no ar, congelados e o mesmo acontece com a névoa branca que de repente não é mais úmida e se transformou em poeira.
Saio pela janela do veículo indeterminado. A porta não abre.
Enquanto eu me preocupava com meus problemas, tão pequenos e insignificantes quanto essas gotículas frias, havia outros pensamentos perdidos e eu consigo agora ver todos, como se fossem desenhos desbotados desenhados na atmosfera fria.
O velho do armazém pensava no sabor do algodão doce de um circo da sua infância.
A moça do outro lado da rua, vestida de bailarina, teve seu beijo interrompido. Os lábios do rapaz ainda estão nos dela, mas não há rapaz algum ali. É apenas uma lembrança triste.
A criança que pensa em um balão preto, o qual ela nunca viu. A vontade estúpida e sem explicação de estourá-lo.
O cachorro que deseja com tanta ganância um mero osso, mas é um desejo tão simples e intenso que me faz pensar se estou ficando louco.
Um carro a poucos metros de um muro gasto e a preocupação do motorista a respeito do tempo. Quanto tempo ainda tem?
Há um buraco no muro. Eu espio o outro lado, curioso, e ali está o Universo - todos os planetas, estrelas, nebulosas, e galáxias, e galáxias e mil sóis. Todos parados, como se o tempo fosse um mero detalhe. Mas o tempo parou de passar, afinal.
Todos os relógios de todas as torres do mundo congelaram seus ponteiros em posições aleatórias. São tantas horas em uma cidade úmida da Inglaterra, e algumas horas mais tarde em uma cidade quente da Austrália. Nova Iorque nunca pareceu tão quieta - o som não se propaga sem movimento.
O buraco no muro se fecha e alguém surge ao meu lado, me oferecendo um casaco. Só então percebo que também estou congelado, junto com o resto do Universo que ainda não me foi permitido verificar.

Abro os olhos e tudo se reconstitui, volta à sua forma original, convencional. O veículo continua se movimentando, o velho colocou a placa no chão, a bailarina enchugou uma lágrima e o Universo voltou ao seu lugar, deixou de se esconder atrás de muros, tomou uma lufada de ar para dentro de seus pulmões negros e infinitos e continuou a se expandir e se afastar lentamente, como as gotículas que deixaram de ser poeira e voltaram a ser meras gotículas úmidas e sem importância.
Então quer dizer que há outras coisas acontecendo, mesmo com a dura verdade - você foi.

Sabe, o inverno me faz pensar coisas estranhas.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Meia-noite e pouco

Não posso culpar o tempo por ser tempo, é apenas assim.
Mas com o tempo eu me tornei alguém cansado e com olheiras profundas, me tornei fraco e debilitado, me tornei triste. Não consigo dormir durante a noite porque tenho ideias na minha cabeça e esse medo dentro do meu peito de nunca conseguir torná-las reais.
Comer uma fruta coloca vitaminas em meu corpo, mas sei que elas se transformarão apenas nesse sabor amargo que faz com que minha garganta feche e meus olhos queimem em lágrimas
E para mudar isso, tento começar pelo ambiente ao meu redor e a prateleira ganha novos objetos e livros menos amarelados, os sapatos novos cadarços, o rosto um novo motivo para sorrir. Mas tudo se desgasta, tudo se transforma em retalhos de projetos que só servirão para que alguém os costure e os transforme em uma colcha quente que cobrirá alguém solitário em uma noite fria. Alguém que nunca saberá que, aquela colcha, formada por aqueles retalhos, um dia foi a esperança de alguém também solitário, em uma noite também fria.
Não há orvalho suficiente para cobrir toda uma cidade, assim como não há dias suficientes para me mostrar que vale a pena, afinal.
Hoje corro os olhos cansados por esses textos que publico, humildemente, nesse mais humilde ainda espaço. Percebo que se foi minha inspiração para escrever algo que faça sentindo e que, no fundo, nada precisa mais fazer sentido além do simples, do solitário.
Talvez eu não consiga mais me fazer entender, porque eu também não consigo decodificar cada pensamento e sentimento que aparecem dentro dessa cabeça, como bolhas que estouram na superfície de uma taça de espumante.
Mas eu me lembro que eu tinha esses sonhos. Me lembro que eu queria colocar a mão no mundo, fazer como uma pedrinha que atinge o rio e repercute ondas ao longo de alguns metros.
No entanto, estou aqui hoje, quase uma hora da manhã. Com sono - admito - mas sem vontade de ir dormir porque isso me parece perda de tempo e eu já tenho perdido coisas demais ultimamente: fé, autoconfiança e habilidade para concluir textos.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Fones de ouvido

Estavam dentro do carro, ele dirigindo em uma longa estrada, ela logo ao lado com os fones no ouvido.
Quando olhou para o lado, assim, como quem não quer nada, percebeu que ele mexia a boca. Apertou pause no seu iPod.
- O que disse?
Ele a fuzilou com os olhos.
- Como assim, "o que disse"? Não estava me ouvindo?
- Não. Eu estava ouvindo música.
- Você nunca me ouve!
- E você nunca me olha. Se olhasse, veria que não estava te ouvindo.
- Acho que estamos indo a caminho do fim.
- Não, querido, estamos indo para a casa dos seus pais.
- Não brinque, eu estou falando sério.
- Eu também estou. Ou você está me levando para outro lugar?
- Cale a boca!
- Como? - ela ficou chocada.
- Mandei calar a boca.
- Cale a boca você, idiota.
- Não me mande calar a boca!
- Não me mande calar a boca você!
Fez-se silêncio por alguns minutos.
- O que você dizia quando eu estava com os fones?
- Se não estivesse com eles, teria me ouvido.
- Sim, mas eu estava, portanto não te ouvi. Diga.
- Dizia que você está gorda.
- O quê?
- Sabe quantos quilos você pesa?
Mas ela não respondeu. Não sabia quantos, mas sabia que eram muitos acima do seu peso ideal.
- Não se atreva a me chamar de gorda! Já deu uma olhada na sua barriga?
- É menor que a sua.
- Mas é maior do que deveria ser.
- Cale a boca.
- Cale a boca você.
Ele estacionou o carro no meio do caminho.
- Chegamos.
Ela olhou ao redor, mas só havia mato e estrada.
- Chegamos onde?
- Ao fim.
- O quê?!
- Não quero mais.
- Não me quer mais? É o que você está dizendo?
- Sim. Não te quero mais.
- Ótimo.
- Ótimo.
Fez-se mais silêncio, e então ele abriu a boca. Algo nela (talvez sua intuição feminina) acusou que ele iria começar a reclamar, e ela decidiu intervir.
- Não comece.
- Me deixe apenas falar.
- Não. Você deixará de existir em 3, 2, 1...
Deu play em seu iPod novamente e perdeu-se em seu mundo particular. Não queria saber o que ele tinha a dizer. Ele já havia dito tudo. E um cara que não a queria mais, não merecia ser ouvido. Não tanto quanto a música merecia.
Ele deu a volta no carro e os dois voltaram ao começo.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Amanhecer - de verdade

A janela está aberta e o ar que entra por ela é frio.
Como é irônica a passagem do tempo. Como é irônica a maneira como passamos por ele.
A luz de alguma coisa no mundo (ou pode ser no Universo, não desconsidero a Lua) projeta sombras sem sentido nessas paredes de cores gastas.
Mas não me assusta mais estar aqui sozinho. Não me assusta mais acordar durante a noite e não sentir um calor familiar ao meu lado.
Parou de fazer efeito em meus ouvidos o som da sua voz, e meu coração não bate mais forte quando sinto seu cheiro em minutos aleatórios dos meus dias e eu não vou acordar em pânico caso você resolva entrar em meu sonho durante a noite.
Deixo você ir, escapar por meus dedos como a areia lenta de uma ampulheta. Deixo você se afogar no sal da minha indiferença e não vou mais olhar para um passado que não está mais pendurado em nenhuma parede da minha memória.
Queimo as molduras onde você se encontra, bebo o licor do meu orgulho e agora eu entendo que a verdade é apenas essa, e que essa é a única maneira de encarar a verdade: você foi um ponto final. Você foi - e ponto final.
Pulo a linha nesse caderno incerto, rasgado e rasurado que é a vida, e inicio um novo parágrafo, onde seu nome não será mais citado.
Preencho as lacunas em meu cérebro com outros odores, com outras temperaturas e outras frequências eletromagnéticas. Governo o movimento dos meus tímpanos com outros timbres, outras batidas musicais, outro tipo de som que não tem harmonia com você.
O ar frio, antes dito, anuncia a chegada de um inverno frio, solitário.
Mas há um amanhecer novo, todos os dias.
Em algum lugar do mundo (ou pode ser do Universo, não desconsidero o Sol) existe luz e calor.
Mas não mais em você.
Pode ir agora.

domingo, 23 de maio de 2010

Fantasma

Sentado no meio das árvores, cantava uma música fria, sem palavras.
Ouvia o som ao seu redor mas não sabia distinguir de onde vinha, qual idioma era, se era fala, se era canção, se era barulho. Não sabia se vinha de fora ou se era produzido dentro.
Algumas pessoas passavam por ali, mas não parecia se incomodar. Apenas cantava.
Cantava por aqueles que estiveram ali um dia, mas que se foram.
Cantava pelos momentos que não queria esquecer.
Cantava pela vida que um dia teve. A mesma vida que perdeu.
Cantava, também (e principalmente) pelo amor.
Pois haviam lhe dito, durante toda a vida, que o amor faz parte da alma e que é infinito. Mas todos estavam errados. Porque quando olhava para si mesmo, não via amor algum. Era apenas uma alma. Com lembranças, com uma canção fria e sem palavras. Mas nenhum amor.
Se alguém passa por aquele campo hoje, no meio da cidade, com árvores que esconderam momentos secretos, com orvalho frio sobre as folhas, com um céu estrelado e cinzento logo acima, pode ouvir o canto do fantasma - se sentar-se na grama fria e fechar os olhos, escutando de alma para alma.
Porque ele ainda canta ali.
Canta por tudo que é efêmero: o tempo, a vida e o amor.

~~~~~~~~
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...
... E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno.

(Tu tens um medo - Cecília Meireles)



P.S.: O ponto-b fez 2 anos no último dia 15. Não que isso seja grande coisa, porque o próprio blog não tem a intenção de ser grande coisa. Mas gostaria de agradecer sinceramente a todos aqueles que passam por aqui de vez em quando, que acompanham meus textos (mesmo eles não sendo tão bons assim), e que eventualmente deixam um comentário com palavras carinhosas. Vocês são meu grande incentivo e minha fonte de inspiração. Obrigado a todos! Bruno F. Bertoni.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Quando você está longe

Cante para mim a canção da lua cheia
E me ensine a linguagem dos anjos
Me cubra em uma manhã chuvosa
E tudo fará sentido

Me encontre dentro de mim
E sussurre as palavras mágicas que só você conhece
Me lembre de respirar
Porque o ar é insuficiente agora

Quando você está longe tudo
É nada
Quando você está longe há um vazio ao lado
Na cama fria
Quando você está longe, há monstros
Dentro da minha mente
Não me deixe dormir, meu amor,
Não me deixe dormir sozinho

Me procure no alto da montanha
Me leve para voar em seus braços
Para um Universo paralelo
Onde há cor em cada caverna sombria
Me leve com você,
Para onde quer que você vá

Porque eu estou preso
Dentro de mim
E você será a luz
Que virá me salvar

sábado, 23 de janeiro de 2010

Janela Entreaberta

A janela do quarto está entreaberta e o cômodo tem um tom de cor
que não é cor, muito menos tom. É apenas sentimento - desespero.
Mas eu não me atrevo a abrir mais a janela; menos ainda a fechá-la. Não valeria a pena. Não é a cor que desespera, é a falta dela dentro dos olhos. A luz é só mera informação com ou sem intensidade. Minhas pupilas não vão reagir, nem meu coração, nem nada ao redor. Tudo continuará com a mesma não-cor do desespero.
O cachorro está deitado na porta, com seu olhar triste e seu ganido suave, e eu me pergunto o que ele consegue ver. As horas e os minutos são iguais, 18:18, mas duvido que tenha alguém pensando em mim agora. Imagino minha aura - ela provavelmente é como gelo seco escuro saindo do meu corpo. Eu não consigo ver, mas posso sentir sua densidade - é quase úmida, não chega a ser refrescante.
A não-cor aumenta conforme os minutos passam; o desespero junto. 18:23, não estão mais pensando em mim - alguma hora estiveram? - e eu me deito e cubro meu rosto com o travesseiro. Não ouço mais nada, há apenas um vulto que passa por mim, mas eu não estou enxergando afinal. Quem está aí? Ninguém responde. Nada responde.
Sonho com aqueles que estiveram comigo - amigos, devo dizer. Onde estão agora? Por que não se lembram de mim? Por que não vejo seus rostos no sonho?
Acordo com o susto, um barulho agudo e rápido; o trem. Não faz sentido o trem nesse contexto, pois não estou dentro dele indo para longe. É apenas um barulho agudo e rápido, é apenas um trem.
Continua a não-cor, o desespero, porque nada disso muda. A janela continua entreaberta. Mas não entra mais luz. São quase oito e o sol tratou de se deitar, mas quem se importa quando as pupilas não reagem?
Ainda estou deitado com o mesmo paradoxo da escuridão: o começo da noite e ao mesmo tempo o fim do dia. O que eu sou afinal?

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