quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Colapso


O corpo humano é um sistema perfeito. Tudo funciona essencialmente para que você se mantenha de pé. Seus ossos sustentam seu peso, seus olhos te ajudam a se localizar no espaço, seu diafragma te ajuda a respirar. Mas há algo que ninguém consegue entender completamente no corpo humano, por mais que se pesquise a respeito: a mente. E ela é a parte mais importante para que nosso sistema continue funcionando bem, porque, uma vez que a mente se compromete, todo o resto do corpo sente e entra em colapso.

A queda. Os danos. Aquele momento em que você descobre que não é forte o suficiente. Que não pode lidar com tudo. Que não consegue mais ficar de pé. Às vezes, você não consegue sequer sentir seu próprio corpo, seu próprio coração batendo. Acho que tem algo a ver com a alma, porque você morre um pouquinho.

É difícil enumerar os motivos pelos quais a mente colapsa de vez em quando. Pode ser por uma grande decepção. Por uma perda insuperável. Pela verdade que se revela rápido demais, queimando suas retinas com seu brilho inesperado. Mas, no geral, colapsos têm como catalizadores acontecimentos muito pequenos que, por si só, nunca causariam mal nenhum. Esses acontecimentos são apenas a faísca que inicia a grande explosão, e não seriam nada se não tivéssemos uma represa de combustível - medos, dores, memórias - armazenada dentro de nós. Às vezes, é difícil encontrar espaço moral e físico para expressar tudo isso, e a gente acaba guardando tudo, esperando que fique lá até desaparecer. Mas não desaparece. Não até você perceber que está pesado demais até mesmo para continuar caminhando e desabar.

Ninguém está preparado para um colapso, porque eles são imprevisíveis. E quando acontecem, fica difícil identificar a tênue linha entre a sanidade e a loucura. Entre a vida e a morte. De repente, você olha ao redor e percebe que está em um lugar completamente diferente, e não faz ideia de como chegou lá, nem se vai sobreviver à mudança brusca de temperatura.

Quando a mente falha, quando sua alma deixa seu corpo, quando você não consegue sequer distinguir o que é real, o que é certo, há apenas uma coisa que se pode fazer para se manter de pé: esperar que o resto do corpo consiga se sustentar, que os nossos instintos lutem por nós, e, principalmente, rezar para que a vida nos mostre uma forma improvável e impensável de continuar respirando.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Lapso



Você. De todas as pessoas possíveis. De todo mundo que você conhece, e também daqueles que nem sonha que existem. Parado em um parapeito, em um terraço, como se fosse pular, mas você sabe que não vai. Você sabe disso, mas como poderia saber de todo o resto? Da rota de colisão na qual estava dirigindo em altíssima velocidade, do choque iminente e inevitável. Você não poderia imaginar.

E de todas as cartas, e as lágrimas em meio de sorrisos, de um humor bobo e auto-indulgente, de toda a grama grudada em seus sapatos dos caminhos longos que trilhou, você estava sentado esperando a tempestade e então foi eletrocutado em campo aberto. A febre, a dor, a somatização de cada confiança despedaçada pelo choque, os gemidos baixo de socorro!, as mãos trêmulas de medo e de raiva. A água lambendo seu rosto, em um contraste amargo com o fogo queimando debaixo de suas pálpebras tão pesadas, tão cansadas.

Você viu seu coração virar uma pedra, logo você!, justo você!, que nunca comprou a ideia de que a essência de alguma coisa pudesse mudar sob pressão. Contrariando toda a química e toda a física, você não conseguiu salvar sequer uma gota de sanidade, sequer um tijolo do templo construído em um solo duvidoso de mentiras. Lendo cada sílaba no lábio de alguém, tentando encontrar inconsistências em um monólogo ridículo e nada interessante, tentando consultar um dicionário de palavras desordenadas e sem nexo, e rezando para um deus em que você nunca acreditou para que tudo aquilo não fosse real, para que fosse pagar sua própria língua, para que estivesse muito errado. E não estava.

E, mesmo assim, o tempo continuou sendo digerido em seu estômago vazio, tentando encontrar espaço em seus pulmões intoxicados, procurando uma forma de correr junto com seu sangue que agora estava verde escuro. Seus pensamentos te agarravam pelo pescoço e não te deixavam dormir. Havia um peso morto dentro de cada célula viva em você, uma tonelada insuportável de coisas indigestas que seu sistema não conseguiu nem digerir nem expelir. E você se entregou. E você pulou.

Você. De todas as pessoas possíveis. De todos os tempos possíveis. Você. Quem acreditaria?

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Corações que não batem


Recebi essa imagem pelo Facebook e, a princípio, me pareceu a afirmação mais idiota do mundo. É claro que é impossível. Se seu coração não bater, você morre, certo? Às vezes. Se você olhar ao seu redor, encontrará centenas de pessoas que comprovam o contrário: há pessoas que continuam vivas, mesmo sem ter o coração batendo. É impossível viver se seu coração não bater, e essa frase se aplica de formas mais profundas do que o óbvio.

Para de bater o coração de quem não experimenta coisas novas - um primeiro beijo em alguém e toda a gravidade contida no espaço entre dois rostos, frações de segundo antes do beijo em si. De quem tem medo de mudar de vez em quando, de apostar suas maiores fichas em coisas grandes, de testar seus próprios limites e descobrir que pode ir além deles.

Morre em plena vida quem deixa que sonhos morram ainda dentro do ventre. Quem se critica demais e se menospreza demais a ponto de empacar e esperar que as coisas caiam do céu. Quem não acredita em seus próprios talentos e desperdiça seu tempo com pessoas e situações que não os favorecem. Quem arquiva projetos, quem desiste no primeiro obstáculo, quem se rende ao medo.

É preciso fazer o coração bater de vez em quando. Dar um choque em um dos órgãos mais preciosos que nós temos. E há tantas formas de fazer isso sem precisar de um desfibrilador! Apaixonar-se, viver um amor impossível, decepcionar-se, pirar de vez em quando (ou todos os dias), largar tudo que não está dando certo e tentar algo completamente inusitado, pintar o cabelo de outra cor, fazer uma tatuagem, ver um filme arrebatador, escrever um livro mais arrebatador ainda, beber a dor até a sua última gota, morrer e ressuscitar, ir até o ápice de si mesmo, declarar-se para alguém, correr riscos, colocar tudo em jogo, perder, começar do zero.

Só assim a gente pode continuar vivo. Só dessa forma a gente consegue perceber que, no final das contas, ninguém tem tanto a perder assim, que seja necessário fazer seu coração parar de bater em plena vida. É impossível viver se seu coração não bater. E eu diria mais: é insuportável.

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