sábado, 1 de novembro de 2014

Fantasmas


Dormir nunca foi a tarefa mais fácil do mundo para mim e, embora hoje eu tenha motivos razoáveis para isso, quando eu era criança, minha insônia tinha a ver com meu medo de fantasmas. Eu ficava deitado imóvel, mesmo com o abajur aceso, e eles tomavam conta da minha imaginação. Era como se meu medo não fosse apenas medo, mas um tipo de expectativa: eu sabia que eles iriam aparecer a qualquer momento, e ficava apenas deitado, coberto até o último fio de cabelo, esperando por isso.

Eles demoraram um pouco para se manifestar. Não foi na noite em que eu tinha seis, oito ou doze anos que isso aconteceu. Foi alguns anos depois, quando eu já era grande demais para temê-los. Hoje eu tenho vinte e dois anos, e qual não é minha surpresa quando percebo que estou rodeado por eles?

Sem que eu tivesse tempo para me esconder, meus fantasmas apareceram em todas as partes. Nas fotografias que eu nem lembrava mais que existiam. Nas músicas que deixei de ouvir há algum tempo, mas que sempre voltam a tocar quando não estou esperando. Nas tatuagens que fiz em meu corpo - cada uma delas é um fantasma. Nos sonhos loucos que meu cérebro insiste em exibir em sessões especiais. Nos números de telefone que não consigo deixar de saber de cor. Nas vozes dentro da minha cabeça. No jeito que eu falo, que eu acabei aprendendo com alguém e nunca consegui desaprender. Na caixa que eu guardo e que está cheia deles, em forma de cartas, passagens de ônibus, ingressos de cinema e outros suvenires.

E, ao contrário do que eu imaginava naquelas noites há mais de uma década, esses fantasmas nada têm a ver com pessoas mortas. Hoje, com um discernimento consideravelmente maior, consigo entender que meus fantasmas estão vigorosamente vivos. São pessoas que ainda levantam-se de suas camas todos os dias, vão para a faculdade ou para o trabalho, eventualmente assistem a algum filme no cinema - de vez em quando, ao mesmo filme e na mesma sala que eu, embora em sessões diferentes. Tem algo mais fantasmagórico do que isso?

O que me assombra aos vinte e dois anos não é o fato de que os mortos podem retornar ao nosso mundo em formas azuladas e nebulosas, mas a possibilidade de que algumas pessoas vivas cruzem meus caminhos, em carne, osso e desprezo; de que elas sequer se lembrem do meu nome em alguns anos; de que suas vidas sigam sem mim; de que eu seja enterrado vivo por elas e não tenha o direito de assombrá-las depois, exigindo explicações, demandando atenção e lembrança.

Cada pessoa tem fantasmas que gostaria de exorcizar de sua vida, e aqueles pelos quais acaba criando respeito, amor e/ou obsessão. De qualquer forma, o problema é que não há oração, mantra ou simpatia que os mantenham longe de nós. Quem tem um coração batendo no peito carrega a predisposição a enxergar fantasmas. Pare por alguns segundos e olhe ao seu redor. Quantos deles você consegue ver?

Eu disse que minha insônia atualmente não tem nada a ver com fantasmas. E eu não poderia estar mais errado. A diferença é que agora eu não tenho que esperar: eles sempre aparecem. Altos e claros.

"Band-aids não curam ferimentos de balas
Você pediu desculpas só para constar
Você vive assim, você vive com fantasmas."
- 'Bad Blood' - Taylor Swift.

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