sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Física

Eu sempre odiei física, mas tirava boas notas no colegial, mesmo sem estudar. Não era difícil para mim calcular a velocidade média, encontrar padrões de tempo, medir o deslocamento. Eu que sempre estou me perguntando se não estou indo rápido demais, eu que estou sempre preso às horas que faltam e às horas que passaram, eu que me desloco dentro de mim o tempo todo. Física era fácil. Eu sou um Einstein das emoções, o que é irônico, dada a desfuncionalidade da minha inteligência emocional.

Resiliência. É um termo da física que as pessoas aprenderam agora e está em tudo que é lugar. Outro dia vi uma entrevista sobre isso. Acho que foi na Fátima Bernardes. Mas é claro que ninguém estava falando de física na Fátima Bernardes às onze da manhã. O tema era superação, e por isso esse termo vem da física: a ideia é um elástico que acumula toda a energia sem sofrer modificações plásticas. Depois de ser puxado até seu limite, o elástico devolve a energia para o objeto e volta ao seu formato normal. Engraçado, né? Usam isso como exemplo pra falar da gente. Da gente que sente dor, da gente que sofre, da gente que perde coisas, da gente que se estica até o máximo que consegue sem arrebentar e, depois disso, nunca mais consegue ser o mesmo.

Eu nunca mais voltei ao meu formato inicial quando você me disse seu primeiro oi. E você sabe o quanto eu me estiquei para tentar te alcançar. Para tentar envolver meus braços ao seu redor, mesmo estando longe, só para te dar um pouco de apoio e carinho. Eu que fui lançado em trânsitos reais e imaginários só pra te encontrar. E quando eu chegava aí, física ou imaginariamente, você soltava o elástico, lembra? Eu voava milhares de quilômetros por hora, e sei disso porque eu fui um bom aluno em física: o deslocamento era enorme dentro de um intervalo de tempo tão curto. Em um instante, eu não estava mais nem mesmo dentro de mim.

Não, é claro que eu não voltava ao meu formato original. Quem olhar com cuidado para meus braços saberá disso. Tem marcas do elástico que você soltou em vários lugares. Cicatrizes que vão embora da minha pele em pouco tempo, mas isso é um assunto da biologia, e não da física. A física afirma: a força foi grande demais para não ter deixado nenhuma marca, o atrito foi muito intenso para não ter causado nenhuma queimadura.

E você pode achar que eu não sinto nada, que é tudo muito superficial e que não me atinge de nenhuma forma, mas isso não é verdade: eu sinto, sim. Quando leio algo que você escreveu, quando ouço alguma música que me lembra você, quando uma foto sua invade algum dia útil sem me pedir licença, eu sinto um peso enorme, e é um peso externo, físico mesmo. Parece estar amarrado no meu queixo, porque ele começa a puxar meu rosto pra baixo. Primeiro eu sinto perto da gengiva inferior, uma espécie de pressão sanguínea pulsante. Depois, meus lábios começam a curvar-se para baixo, porque a gravidade é imbatível, e eu fico com uma expressão de bobo no rosto.  Aquela expressão que, quando as pessoas veem, dizem: "Desmancha essa cara". (É engraçado alguém dizer isso para quem já está sentindo a cara desmanchar igual areia.)

Quando olho para trás, para o momento em que você puxou o elástico pela primeira vez, eu entendo que eu já sabia disso tudo. Todos os números estavam em seus olhos. O enunciado era bastante claro no seu jeito de falar. Sua melancolia indicava o x da questão. E isso me faz entender o motivo pelo qual eu odiava física e matemática: eu não suporto coisas exatas. Não consigo lidar com o fato de ter os números, os dados, os sinais na minha mão, juntá-los e encontrar um resultado definitivo. Tudo o que é exato me assusta, e a verdade é exata, precisa, imutável. Então eu preferi deixar o problema de lado, fingir que eu não sabia resolver, que não estava entendendo a pergunta, que não via os dados na minha cara, arriscar ficar com uma nota baixa com você.

Agora eu estou em recuperação. Não há resiliência que vá se aplicar a mim, e o Einstein ou a Fátima Bernardes que me perdoem. Mas eu me recuso a voltar a um tamanho tão pequeno de mim mesmo.

Nenhum comentário:

Visitas