terça-feira, 7 de outubro de 2014

O beija-flor insistente

História melosa do dia que eu não podia deixar de compartilhar: o vizinho de uma amiga tem um daqueles bebedouros de beija-flor que as pessoas penduram na varanda de casa com água e açúcar para alimentar os pássaros. Em poucos dias, o bebedouro se tornou um verdadeiro point desses bichinhos até que, por algum motivo, o chef das aves parou de fornecer alimento. O bebedouro secou, os pássaros continuaram vindo até que entenderam que dali não sairia mais nada e desistiram. Todos menos um.

Todos os dias, faça chuva ou faça sol, o beija-flor insistente volta ao bebedouro. Senta-se na beiradinha de plástico, pula para o lado, depois para o outro, voa ao redor procurando por alguma gota de água açucarada nas flores artificiais do objeto. Depois voa, em busca de fontes de alimento abastecidas, mas uma coisa é certa: na manhã seguinte, lá está o passarinho, em uma nova tentativa frustrada.

"Por que será que ele faz isso?", minha amiga perguntou. "Com tanta flor por aí, com tanto bebedouro em outras casas, por que ele volta justamente nesse, mesmo sabendo que não terá nada ali?" A não ser que você consiga se comunicar com pássaros, é difícil encontrar uma resposta certa. Mas, sendo humanos, não é impossível imaginá-la: todos nós já fomos um beija-flor insistente algum dia.

Você sabe que não vai adiantar ligar para aquela pessoa, tentar puxar assunto, mandar uma mensagem ou sequer pensar nela. Ela não tem mais nada açucarado para te oferecer. Há outras pessoas melhores, mais interessantes, mais doces ao seu redor. Mesmo assim, você continua insistindo naquela, porque consegue se lembrar claramente o sabor que ela proporcionava e que, para você, era diferente de qualquer outro.

Ou, então, você nem chegou a provar nada de uma pessoa, simplesmente porque ela é tão seca e vazia quanto um bebedouro de pássaros esquecido por seu dono. Você a avistou de longe enquanto voava por aí, encantou-se pelas cores vibrantes das flores que ela tem e, mesmo depois de ter descoberto que eram artificiais, continua voltando a ela, esperando que algum dia ela possa ter um pouco de doçura para você.

Enfim, são incontáveis os casos em que nos comportamos exatamente como o beija-flor do vizinho da minha amiga. Mesmo sabendo que nada vai sair de lá por mais que a gente continue insistindo naquilo, a gente continua voltando, e tentando, e enfiando o bico, e dando voltas e indo embora frustrado, só para voltar mais tarde.

E como acaba essa história (não só a do beija-flor, a sua também)? Simples: ou você (e o beija-flor) insiste tanto que, em algum momento, haverá água com açúcar para saciar sua sede, ou você morre de sede (o beija-flor não, porque ele acaba agindo por instinto e procurando por outras fontes de alimento).

É assim que as coisas são. Uma hora, é preciso aceitar que não dá para esperar nada de um recipiente vazio e decidir voar para outras flores, encontrar fontes mais prováveis de alimento e, principalmente, de vida, antes que seja tarde demais.

Mas enquanto a gente não se dá conta disso, ah... Como somos irracionais e insistentes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Um pequeno fato cômico da vida é que, dependendo do ponto de vista, podemos ao mesmo tempo ser um beija-flor caído no asfalto quente, utilizando seu último suspiro para admirar mais uma vez aquele bebedouro tão colorido e inalcançável, e ao mesmo tempo, ser o bebedouro colorido e doce que outro beija-flor, bem pequeno e tímido, admira por trás de uma árvore e, silenciosamente, imagina como sua água poderia aliviar sua vida seca e sem sentido, e ao mesmo tempo, se acha pequeno demais para merecer tal preciosidade e raridade.

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