sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Rascunhos

Eu começo um texto e apago. Sempre foi assim e desconfio que sempre será. Uma pequena dezena de letras, três toques no teclado e a página está em branco de novo. Aí eu marco o papel digital com mais um pouco de tinta preta digital, para apagar alguns minutos depois. Quem tem alguma aspiração a escritor, ou qualquer pessoa que já tenha começado a digitar algo, sabe como é isso. Você olha para sua pseudo-obra-prima. Não é como você queria. Não fala o que você quer falar. Aí você apaga.

Gosto da praticidade disso e talvez fosse legal se a vida fosse assim. Não está dando certo? Control A, delete. Simples. Rápido. Em um instante, está tudo em branco. Dá pra começar de novo sem nenhum rastro do que não estava como você queria. Sem nenhuma letra fora do lugar. Backspace, corrige. Agora está perfeito.

Mas a vida é escrita no caderno, com um lápis intenso que marca várias folhas sob a que você está usando. Você desiste, acha que está ficando péssimo e passa uma borracha. Mancha tudo. Decide começar tudo de novo na próxima página (porque na vida não dá pra pular mais do que isso de uma só vez). Mas a próxima página está toda marcada, porque você estava escrevendo com paixão, com coragem, com esperança - dessa vez, vai ficar perfeito. Não fica. Você vira a folha, e lá está uma nítida marca d'água do rascunho anterior, daquele que não deu certo, daquele que você só queria poder deixar para trás e começar de novo em uma folha limpa. Uma marca afundada no papel, na pele, no coração, na memória. De vez em quando seu cérebro decide passar o ladinho do lápis nesse baixo-relevo, bem de leve, e as letras ficam ainda mais nítidas, parece que acabaram de ser escritas, num negativo: o papel cinza-grafite de melancolia e nostalgia, as letras brancas, vivas, marcadas.

Tudo bem, você diz, esperançoso. Dá pra escrever. E começa a escrever por cima. E se ficar ótimo dessa vez, terá sido escrito em cima das marcas do rascunho imperfeito. Se não ficar, há sempre outra página. Com mais marcas ainda. Até que elas se misturem tanto e fiquem tão ilegíveis que não faz mais tão mal assim. Fica até bonito, se for ver. Um monte de histórias erradas e amarradas umas nas outras, criando uma textura peculiar ao papel, e outra certa, escrita por cima, para te lembrar que não há história boa que não possa ser escrita sobre uma ruim.

Pronto. Já dá pra ler. Já dá pra publicar.

Nenhum comentário:

Visitas