sexta-feira, 6 de julho de 2012

Acidente


Hoje eu quis dirigir o carro em alta velocidade na direção de um poste, um muro, um viaduto. Eu quis fechar meus olhos, tirar o cinto, soltar o volante, acelerar. Sentir a força da inércia. Eu quis desistir de tudo. Deixar tudo isso pra lá. Não sentir mais essa dor, não sentir mais essa falta.

Hoje os pássaros pararam de cantar nos fios e ficaram apenas sentados, esperando, observando. O mundo estava coberto de cinzas. Hoje a verdade desabrochou como uma flor negra e horrível. Hoje as páginas que eu tinha escrito sobre você se dissolveram, queimaram, doeram. Nunca foram reais. As músicas que eu escrevi mentalmente sobre quem você era, hoje se arranharam em galhos secos, se distorceram.

Hoje eu tentei ser forte mas não consegui. Eu tentei dizer todas as coisas, mas a voz falhou na primeira sílaba. Doeu tanto que eu não consegui chorar. Hoje eu deixei você ir. Aceitei a verdade sobre as suas mentiras. Engoli cada uma delas como se fossem veneno e agora estou me sentindo morto aos pouquinhos. Hoje eu sei que nunca existiu amor. Que foi só o tempo que precisava passar. Que foi só a primeira gota da tempestade. Hoje eu vejo isso.

Hoje eu me senti perdido, sem saber de onde eu vim, como foi que eu vim parar aqui, nessa tristeza tão grande, nessa falta de esperança tão morta? Senti como se você tivesse me raptado, me enfiado dentro do porta-malas de um carro e me levado para qualquer lugar, mais longe do que eu queria ir, e então me soltou aqui, e eu não sei voltar, eu não sei dormir, eu não sei comer. Eu deveria ter gritado, pedido por socorro na primeira noite, "me tirem daqui!", mas acho que ninguém me ouviria porque nem eu mesmo me ouvi.

Hoje eu esperei você ligar, mandar uma mensagem, me devolver um pouquinho da atmosfera, dizer que quer mais do que qualquer outra coisa me ver, passar o dia comigo, me levar para ver um filme nem que seja dublado, que quer muito passar horas só deitado, sem dizer nada, só deixando que cada gotinha de amor pingue dentro desse coração que você fechou, caia na sua corrente sanguínea e derreta o gelo que você me propôs segurar mas que eu não consegui por muito tempo. Hoje eu esperei. Uma, duas, cem milhões de horas. Esperei por uma resposta para a minha pergunta, um protesto ao meu ultimato, esperei que o Universo voltasse a fazer sentido. A tela do celular está escura, fria, vazia até agora.

Hoje eu quis dirigir o carro em alta velocidade na direção de um poste, um muro, um viaduto. E eu quis que você me impedisse. Que você me desse outra escolha. Eu quis que você me ligasse e me escolhesse.

Tem um incêndio começando. O que você faz? Corra. Pegue tudo o que é importante, salve seus livros, seus discos e seus entes queridos, e fuja o mais rápido que você puder. Porque quando as portas e as janelas estiverem bloqueadas pelo fogo e você descobrir que é tarde demais para tentar se salvar, tudo o que você poderá fazer será ficar olhando. E tudo o que restará de você serão cinzas.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Hoje eu deixei você ir. Aceitei a verdade sobre as suas mentiras."

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