domingo, 21 de setembro de 2014

O Suficiente


"Fala quando estiver bom", dizia alguma tia sua quando estava servindo refrigerante em um copo. O líquido começava a escorrer e, quando estava prestes a transbordar, você dizia "Deu." Isso evitava uma grande bagunça na sala de jantar. Evitava o desperdício de algo bom. Era o suficiente para que você pudesse saborear o refrigerante sem ter uma lambança para limpar depois.

Quando você cresceu, viu que não é exatamente assim que acontece com todas as outras coisas. Diante de um copo meio-cheio (ou meio-vazio, dependendo do quão otimista você é), a gente nunca sabe dizer para nós mesmos quando já é suficiente.

Você tentou uma, duas, dez, cinquenta vezes. Já não deu? Logo vai começar a derramar. Vai melar toda a mesa, vai escorrer e sujar seu carpete e sua roupa. Vai ter uma grande bagunça para limpar depois. Você é grande o suficiente para saber a hora de parar, não é? Mas você não para. O copo está quase transbordando, o desperdício de energia mental é iminente, a garrafa de boa vontade e paciência está ficando vazia, mas você continua enchendo o copo e esvaziando seu estoque de paz de espírito.

Depois que você cresce, não há ninguém ao seu redor para te dizer que já deu. E a verdade é que, mesmo se tivesse alguém para nos avisar, nós não daríamos ouvido. Nós queremos sempre mais, duvidamos de leis básicas da física, insistimos em continuar tentando, não levamos em conta erros passados. Esse é um novo copo, você pensa. Nesse cabe mais.

E, quando as primeiras gotas começam a escorrer para fora e a gente deveria se dar conta de que já deu, é aí que a gente continua a despejar. Já está derramando, mesmo. A bagunça já está feita. Nada pior pode acontecer agora, certo?

Você pode tentar se enganar e apostar nas possibilidades mais duvidosas. Uma hora ou outra, vai ter que se convencer de que é hora de parar. De que a bagunça já está maior do que você imaginava. De que vai levar mais tempo do que você tem para limpar tudo.

Quando você finalmente abre os olhos e se dá conta disso, passa a entender que as coisas que realmente valem a pena são degustadas em doses pequenas. Que a simplicidade é o cubo de gelo que ajuda a dar volume no copo e, ainda por cima, refrescar seu conteúdo. E que não há nada mais simples do que se contentar com o que você tem, sem excessos, sem desordem, sem desafiar seus próprios limites.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muitas vezes isso também ocorre por ser uma Coca-Cola. Aquele refrigerante que todo mundo quer beber, disputam à tapas, e quando podem se servir, aproveitam para encher até a boca, e se não controlarmos, derramamos mesmo. Ter uma Coca-Cola é status. É poder. Quando a temos em nossos copos, sentimo-nos realizados. Não é só o refrigerante enchendo nossos copos, é a satisfação pessoal. E na maioria das vezes em que brigamos por uma Coca-Cola, existe um Dolly lá de lado, ignorado por ser mais simples, mais barato, humilde. Com seu rótulo menos atraente, com sua fama de pobre, as pessoas somente se lembram que ele existe quando a Coca-Cola acaba. E esse se torna mais um motivo para que ninguém o queira: no final ele vai estar lá, geladinho, pronto para matar sua sede com a alegria mais inocente do mundo. Então pra quê se preocupar com ele agora? Brigue pela Coca-Cola, encha seu copo, derrube, meleque tudo. Se engane com tudo o que a Coca-Cola promete, com seu rótulo famoso e agradável aos olhos. Sempre haverá aquele Dolly ali no fundo da geladeira, aguardando o final da festa, quando o seu momento chega. E ele vai estar gelado, vai matar sua sede, na maior alegria, sem se importar com o resto da coca-cola no fundo do copo lembrando a ele quem ele é. Então corra atrás da Coca, encha seu copo, e quando acabar, não fique triste, tem aquele Dolly lá guardado, que você pegou no mercado para ser a reserva, caso a Coca acabasse. Ele vai estar lá te esperando. Ele não vai se importar com o que você já bebeu, só vai querer encher seu copo, e ver seu sorriso enquanto mata a sua sede.

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