domingo, 29 de março de 2015

Wonderland


Andando pelo verde brilhante e cheio de esperança, me distraio e caio em um buraco de coelho. Escuro, profundo, infinito. Dou voltas ao redor do meu próprio corpo, assim como a Terra faz, enquanto sou sugado para dentro da escuridão. Não sei onde estou, não sei onde é o chão, não sei se posso me agarrar a algo a fim de interromper a queda e voltar à superfície brilhante.

Isso acontece o tempo todo e aconteceu de novo. Eu deveria saber. Deveria ter olhado para o chão enquanto andava. Deveria ter me concentrado no caminho. Deveria ter tapado meus ouvidos. Eu não sabia o que acontece com mentes curiosas? Enquanto caio, lembranças tão numerosas quanto as estrelas povoam meu cérebro, drenam minha energia, me jogam para todos os lados, menos para cima.

O baque no chão frio e duro me paralisa por alguns instantes. Olhando ao meu redor, há apenas uma pequena porta e uma mesa cheia de biscoitos com palavras de ordem. Mordo um pedaço de um deles e descubro que é amargo, seco, mal consigo engolir. Mas, quando o faço, meu tamanho começa a ser reduzido e, de repente, tenho o mesmo diâmetro de um pensamento: sou breve, sou minúsculo, sou solitário na mente do buraco.

Atrás daquela porta há uma Wonderland. É bem parecida com a que eu conhecia metros acima, antes de tropeçar e cair. Mas há diferenças: as flores estão mortas, o céu está cinza, a luz não atinge nenhum corpo. Há olhos por todas as partes, observando e solicitando um pouco de atenção. Há monstros escondidos por trás da floresta. Há questões que, em um contexto amplo, poderiam ser tratadas como filosóficas, mas aqui são apenas sussurros incômodos dentro do meu crânio me obrigando a pensar na mais difícil de todas as questões - Quem és tu? -, e depois a fumaça colorida e entorpecente me tirando do eixo central.

Eu não sei quem eu sou. Não sei como vim parar aqui. Enquanto corro, tentando encontrar uma saída, os espinhos das rosas brancas tiram pedacinhos da minha pele e meu sangue as colore em um vivo vermelho carmim. Chego à uma clareira, entendo que há um jogo de cartas acontecendo. Jogo a mão que me foi dada. Não é muito boa, mas deve servir. Não tenho escolha.

Quando perco o jogo, um grito ecoa que perderei a cabeça. Desejo dizer que já a perdi há muito tempo, ou não estaria aqui embaixo. Mas minha voz está esmagada dentro da minha garganta. Nenhum grito de socorro me tirará daqui.

Estou no fundo do buraco, no lugar mais escuro, em um coração pulsante e negro que não é o meu, mas que poderia muito bem ser. Minha Wonderland foi destruída por dezenas de catástrofes. As flores em meu peito foram arrancadas violentamente. As cores em meus olhos foram sugadas com a minha energia vital.

E, quando me lembro daqueles olhos, daquele sorriso de Gato, das quedas anteriores, das mentiras escondidas por trás das portas minúsculas, entendo que minha Wonderland sou eu.

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